segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

REVELAÇÃO


Com um pouco de atraso, postamos aqui a entrega do certificado à indicação da CIA ENGRENAGEM DE ARTE REVOLUCIONÁRIA ao prêmio Revelação do VIII Festival de Esquetes Elbe de Holanda.

Ressaltamos a importância desta indicação, uma vez que ela contempla a Companhia como um todo, reafirmando nossa postura enquanto grupo e artística, destaques no festival.

Salve, Engrenagem!

Transversal do tempo

Em uma entrevista de 1978, há exatos 30 anos atrás, Elis Regina causa polêmica ao lançar este show e nós hoje percebemos como nada mudou.
A entrevista fala do processo de criação, surgido em uma experiência em um engarrafamento, da questão do respeito, da alienação, o momento político e as questões de impasse, falta de escolha, falta de espaço de ar, de confiança, de relaxo.
Nada mais atual, não é mesmo? E, nessa mesma entrevista, Elis afirma: "O novo! Querem tanto o novo. Mas que culpa eu tenho se nada de novo acontece neste país há quarenta anos? O Tom já disse: de novo mesmo, nesse tempo todo, só o Hollywood com filtro. Mais nada."


Transversal do tempo (1978)
O espetáculo era pretensioso. Elis (...) contou em entrevista publicada na revista Veja (...), que a idéia do show nasceu dentro de um táxi, no vale do Anhangabaú, durante uma manifestação estudantil. Na confusão, os carros não andavam. E ela lá, grávida, trancada dentro do táxi, esperando
Em novembro de 1977, Elis Regina estreia em Porto Alegre, no teatro Leopoldina, o show Transversal do Tempo. (...) Num roteiro desenvolvido em conjunto com Aldir Blanc e Mauricio Tapajós, a cantora conseguiu dar sua mensagem. A cantora assumiu o papel de repórter do seu tempo e abordou temas como o amor, a amizade, natureza, consciência social, exploração do ser humano, entre outros.
Os músicos assumiram o papel de operários (da música ou da vida real) tocando em meio às estruturas metálicas e placas de trânsito e vestindo macacões de trabalhadores.
(...) uma cena que causou polêmica na época. Elis canta dois versos da música Gente do Caetano Veloso em meio a um logo da Coca-Cola que dizia: Beba gente. O cantor e compositor não gostou do tratamento que foi dado à música. Porém, é preciso admitir que o momento é impagável. Elis com uma voz debochada canta: (...) “Gente é para brilhar e não para morrer de fome!” Deboche da canção ou uma denúncia da situação do músico no Brasil?
(...)
Vale lembrar que parte do show foi lançada em um disco ao vivo, porém havia planos de lançar um segundo disco com todo o repertório do espetáculo, o que não se concretizou. Ficou perdida numa transversal do tempo...
Veja – Como foi que sua experiência no engarrafamento se transformou num espetáculo?
ELIS – Eu tinha um contrato assinado com o Teatro Leopoldina em Porto Alegre. E, entre fazer um recital, um concerto simplesmente, preferi chamar algumas pessoas para dirigir, iluminar e coisas do tipo. Aí foram surgindo ideias. Aquele engarrafamento me deixou uma impressão muito forte, principalmente porque eu estava grávida e me senti indefesa naquela hora. Tinha helicópteros de um lado, cavalos de outro, gente correndo por todos os lados. E eu estava ali, sem ter escolhido isso. Estava fechada dentro de um táxi, com medo (...) A analogia veio depois, porque na hora você faz a fotografia, a ampliação vem depois. Quer dizer, assisti, ao vivo, a falta de respeito que está solta pelo ar. A falta de respeito existe para com o rio, a pessoa, a árvore, o passarinho. Esse desrespeito, na verdade, criou uma situação de impasse. Você sabe que o sinal de trânsito só vai ser aberto quando o guarda resolver abrir. Enquanto isso, você está dentro de um táxi e tudo acontecendo. Você imagina saídas, mas o sinal não abriu, o que podemos fazer? Ficamos sentados dentro de um táxi, numa transversal do tempo, esperando. Não te perguntam nada, não te pedem opinião.
Veja – Isso tudo está jogado no espetáculo?
ELIS – Está dentro do espetáculo. A angústia, a claustrofobia e também as várias fugas estão dentro do repertório. A alienação que pode vir através dos embalos de qualquer dia da semana. Na realidade, não é um espetáculo feito para dançar. Alerto que os bailantes se sentirão muito agredidos, portanto não me cobrem. Se quiserem assistir, já estou avisando antes. Também não estou dizendo que todo espetáculo deva ser assim, e também não quero dizer que todos os outros farei desta forma. Mas eu peço desculpas, usando as palavras de Vitor Martins: ´ Me perdoem, os dias eram assim ´. A partir do momento em que resolvi em que resolvi que minha arte deve ter ligação com a realidade em que vivo, mínima que seja, lamento imensamente a cara amarrada, a falta de espaço, a falta de amigos. Também não fui preparada para isso, é o que está me sendo dado para digerir. Gostaria que fosse diferente. Mas também, como a maioria das pessoas, estou esperando o guarda acionar a mudança de cor do sinal. Enquanto isso, eu canto um sinal de alerta
Veja – Esse sinal de alerta pretende exatamente o quê?
ELIS
– Mostrar o momento político de impasse em que vivemos e o resultado dos momentos políticos que nos trouxeram a esse impasse. O partido político, o MDB (Movimento Democrático Brasileiro, partido que deu origem ao PMDB) – com o qual você conta para ser de oposição, arregla, e 41 saem da sala, se escondem debaixo do tapete ou no banheiro. Isso é uma porcaria quando você está às portas de 15 de novembro e tem que votar nesse partido de novo. Agora, vai votar no outro? Não, vota nesse e continua tudo na mesma. Esse é o impasse, a falta de escolha, a falta de espaço de ar, de confiança, de relaxo.
City news
“proibido sorrir”
– Você fala daquela critica carioca que disse que meu show era um atentado ao bom humor, não é? Ela deve morar na Vieira Souto, em Ipanema, numa cobertura. Vai ver, de frente para o mar. Por isso quer sorrir tanto.
O novo – O novo! Querem tanto o novo. Mas que culpa eu tenho se nada de novo acontece neste país há quarenta anos? O Tom já disse: de novo mesmo, nesse tempo todo, só o Hollywood com filtro. Mais nada.
Crítica – Ué, mas existe crítica de espetáculo aqui?
Esquerda – Não existe nada mais reacionário do que esta que se diz esquerda e se ufana disso por aí.
Direitos dos músicos – Presido a ASSIM , uma entidade que vai brigar pelo direito dos músicos. Há muito dinheiro que está parado, que precisa vir às mãos de quem tem direito: os músicos.
Intérpretes – também somos espoliados. Eu e a Clara Nunes somos duas das que já fechamos com a ASSIM. Aguardamos as outras. E os outros;
Alienado – Quem? O Transversal do Tempo? Alienado? Fora da realidade de hoje? Estão dizendo isso, é? Agora pergunto: fora de realidade? Daquela do Rio Zona Sul, a de São Paulo dos jardins e morumbis? Mas essa mesmo não tem nada a ver.
1968 – Chamam meu show de velho, de atado a 1968? Que descoberta! Pergunto a eles: as coisas mudaram tanto, mesmo, de lá para cá que possa me desatar de 68? O Transversal do tempo, como transversal do tempo, inclusive se propõe a isso: ser jornalístico, destinado justamente a refrescar memórias entorpecidas.
Mais crítica – Só porque você está me perguntando, vou falando: o que me enche mesmo é dar duro para criar um espetáculo, gastar os tufos, rogar pelo Altíssimo para que ele entre e saia inteiro de certas mesas de Brasília e São Paulo, maquilar, me vestir, atuar uma sessão inteira só para que me digam se aquilo pode ser visto por público para, depois ouvir de dois ou três críticos que aquilo nãos erve, é velho, é isso ou aquilo (..) eu crio e eles falam do que crio. Comodíssima posição. Agora, não me peçam uma troca de posições, faz anos que optei pela incomodidade.

A DITADURA MIDIÁTICA




Este texto foi lido e debatido na última reunião, sobre a ditadura da midia. Ele ilustra bem a importância dada à televisão, nos dias de hoje.


ENTRETENIMENTO NA TV - A nobre função de matar o tédio
Gabriel Priolli

"Nós estamos no negócio de matar o tédio", já dizia o apresentador de TV Howard Beale em 1976, em apoplético discurso no filme Rede de Intrigas (Network). O "profeta louco das ondas eletromagnéticas", criado pelo roteirista Paddy Chayefsky e o diretor Sidney Lumet para o que é, ainda hoje, a mais aguda crítica já feita à televisão, suas práticas e seus valores, resumia nessa frase objetiva e franca a missão principal do veículo que fizera dele uma celebridade.É oportuno recordar a frase nesta época de festas em que as pessoas transbordam de afeto, reúnem amigos e familiares, buscam sofregamente o convívio com o próximo, mas não dispensam o televisor ligado junto à árvore de natal. Um breve olhar para a cena natalina - brasileira ou de outros países, não muito distintos nesse aspecto - é suficiente para demonstrar o quanto a televisão é importante como meio de entretenimento e como são equivocados os discursos que tentam desqualificar essa função em favor de um maior volume - indiscutivelmente necessário - de informação e de educação na tela.Canal para bebêsA televisão é, sim, um negócio para matar o tédio, antes e acima de qualquer outra coisa que possa fazer pelos humanos. Ela preenche o tempo livre com maior eficiência e menor custo do que outras formas de diversão, o que é a razão da sua universalidade. Qualquer um, pequeno ou grande, pobre ou rico, inteligente ou burro, tem sempre à mão aquele botão redentor do aparelho de TV, para com um simples toque relaxar das tensões diárias, proteger-se da brutalidade circundante e deixar flutuar a imaginação. Ainda mais os solitários, que preenchem suas carências afetivas com os seres e os temas da tela, e que teriam natais sombrios, angustiantes, não fosse aquela luz amiga a cintilar diante de seus olhos.Seja por interesse mercadológico, nas emissoras comerciais, seja por espírito público, nas educativo-culturais, a televisão se propõe a subsidiar os humanos de afeto e companhia em todos os momentos da vida. Literalmente do começo ao fim dela, como demonstram dois projetos que provocaram curiosidade e polêmica neste ano. Aqui, no Observatório, a colega Leneide Duarte-Plon comentou, no início deste mês, a celeuma causada na França pela introdução de uma emissora voltada aos bebês [ver "Cientistas franceses pedem moratória para canal"). Um pouco antes, em novembro, pipocou planeta afora a notícia de uma emissora lançada na Alemanha para se dedicar exclusivamente à morte e ao luto.A TV para bebês intitula-se BabyFirst TV e é mais uma oferenda norte-americana aos deuses do consumo. Está no ar 24 horas por dia em 28 países, com um público estimado de 13 milhões de telespectadores, na faixa de 6 meses a 3 anos de idade. Surgiu da constatação de que muitos pais compram DVDs com programas voltados aos bebês, pagando até 20 euros por exemplar, o que configura um polpudo mercado. A emissora oferece 50 programas em sua grade, com conteúdos que pretendem estimular nos bebês o desenvolvimento da linguagem e o conhecimento da matemática, além das "destrezas sensoriais e do jogo criativo".Fazer companhia e divertirOs produtores norte-americanos garantem contar com a assessoria de pedagogos e psicólogos infantis, mas os colegas franceses desses profissionais, segundo Leneide, caíram de cacete na emissora, argumentando que na primeira infância a criança precisa mobilizar o corpo e a mente com brinquedos, e não prostrar-se diante da tela da TV. Seja como for, aí está reiterado o fato de que a televisão almeja acompanhar as pessoas desde o início de suas vidas, oferecendo a elas companhia agradável e incondicional a qualquer hora.Agora e na hora de nossa morte, propõe a Etos TV alemã, "o canal do luto". Vitrine do mercado funerário de seu país, que reúne mais de 3.000 empresas, a emissora aborda sem assombro um tema difícil, convicta de que ele é mais um entre tantos que interessam às pessoas, sobretudo quando enfrentam a morte de parentes e conhecidos, ou a perspectiva da própria partida. É o que mostra sua insólita programação? "Cemitérios como lugares de memória cultural, porque o futuro necessita de origens." Obituários pessoais, "porque a memória conecta as gerações". Além de informações práticas sobre o que fazer diante de um óbito e dicas "de prevenção" porque, afinal, salvo os suicidas, ninguém quer despedir-se da vida antes da hora.Entre os dois extremos da existência, a televisão procura entreter e confortar os humanos de todas as formas possíveis. Para a infância, já são muitos os canais, repletos de desenhos animados, seriados e shows. Para a adolescência, canais de música pop ou de videogames, como os dois que se defrontam na TV paga brasileira, a MTV e a Play TV. Para a vida adulta, quando os interesses se particularizam e a identidade se define de forma mais complexa, uma infinidade de canais segmentados por conteúdo, sexo, faixa etária, nível cultural. E todo esse amplo leque de opções identificado por um denominador comum: o desejo de fazer companhia e divertir. De matar o tédio.Discurso confusoA função de entretenimento da TV, por tudo isso, deveria merecer mais consideração. Mesmo, ou sobretudo, quando os programas têm forma e conteúdo que escapam ao padrão de gosto da elite. Uma boa atração televisiva não precisa ter, necessariamente, aspectos informativos e educacionais; pode perfeitamente oferecer apenas diversão ligeira, descompromissada. "Baixaria" não é o oposto de televisão inteligente; é a degeneração da televisão popular, dos produtos concebidos para as preferências culturais e o nível de cognição da grande massa telespectadora. É totalmente possível uma televisão popular de qualidade, sem baixarias e também sem maiores ambições intelectuais. É possível apenas entreter, sem querer mais do que isso, com ética, respeito e responsabilidade.O discurso bem pensante a respeito disso, entretanto, é confuso. Quando aborda a TV de entretenimento, costuma jogar no mesmo saco programas razoáveis e grandes porcarias, rotulando tudo de baixaria. Shows de auditório, game shows, telenovelas, musicais sertanejos e programas humorísticos padecem desse preconceito, do qual estão isentos, por definição, os programas de debate, os telejornais, os documentários, os musicais de MPB e as minisséries de inspiração literária - todos avaliados, a priori, como programas sérios e úteis, mesmo que ocultem a mais sórdida baixaria, na forma de manipulação de dados, distorção, parcialidade, omissão, partidarismo etc.Esforço e utilidadeEssa falsa oposição entre uma televisão de qualidade, identificada somente pelo caráter educativo-cultural, e uma televisão de baixo nível, assim considerada por privilegiar o entretenimento, transborda do pensamento crítico para o juízo comum dos telespectadores. E se expressa num discurso freqüentemente culpado, em que a pessoa clama por mais cultura e educação na TV, mas reconhece que não assiste às atrações que atendem ao clamor. É a culpa pelo entretenimento, culpa por assistir TV apenas para se divertir, passar o tempo, esfriar a cabeça ou pegar no sono.Outra decorrência dessa percepção geral de que a boa televisão é apenas a que informa e educa - e à qual não se assiste porque, infelizmente, ela exige pensar e pensar dá trabalho, é chato... - está na conceituação da TV pública. Muita gente, incluindo especialistas, acredita que não cabe a ela oferecer entretenimento. Apenas "fazer a cabeça", estimular o raciocínio, prover informações. Essa visão só facilita que as emissoras comerciais descumpram seus deveres para com a educação e a informação e impede que as emissoras públicas definam melhor o seu enfoque do entretenimento. Não há, por exemplo, programas humorísticos na TV pública brasileira. Foram raríssimas as suas tentativas nesse sentido, ao longo da história. E por quê? Fazer rir não é coisa séria, talvez das mais sérias que existem, pela função profilática do humor?A televisão de entretenimento é legítima. Não há nada errado em divertir o telespectador. Não é obrigatório instruí-lo e informá-lo quando se procura diverti-lo, embora seja conveniente que isso ocorra. Convém que nos lembremos disso nestes dias de festas em que as pessoas buscam estar juntas para celebrar a vida e se divertir. A TV procura fazer isso todos os dias do ano, todas as horas do dia, para todos os públicos, por toda a existência das pessoas. Errando ou acertando, merece reconhecimento pelo seu esforço e pela utilidade do serviço que presta.

Fonte: Observatório da Imprensa Edição 465 de 25/12/2007 http://www.observatoriodaimprensa.com.br/
Fonte da Imagem: http://www.weno.com.br/blog/archives/2005_10.html

ARTES SOB PRESSÃO

Dos estudos da nossa última reunião, no âmbito das ditaduras e das liberdades, trouxemos este texto, para reflexão e debate, acerca da arte e sua relação com a liberdade, bem como das liberdades individuais. Ele foi retirado do livro Artes sob Pressão, de Joost Simiers. O livro analisa as forças relevantes por trás dos processos de decisão em questões culturais de âmbito mundial, sob a influência da globalização econômica. O livro contém centenas de exemplos de experiências retiradas de diversos campos das artes e de todas as partes do mundo, relacionadas por uma sólida crítica teórica.


Artes: Um campo de batalhas

Somos tão obcecados com a liberdade do discurso no Ocidente, que não podemos compreender como outros povos podem ser levados a desrespeitar fundamentalmente o que lhes é mais sagrado. Enquanto esse preceito de liberdade sem quaisquer restrições permanecer inalterado, será difícil estabelecer um dialogo sobre como construir uma ponte entre as culturas (...).

Nossa Diversidade Criativa, o relatório da Unesco e da Comissão Mundial de Cultura e Desenvolvimento das Nações Unidas, problematiza este tema opondo liberdade cultural individual de um lado e coletiva de outro:

A maioria das liberdades referem-se à liberdade individual – liberdade de falar o que se pensa, de ir onde se quer, de adorar seus próprios deuses, de escrever o que se quer. A liberdade cultural, ao contrário, é uma liberdade coletiva. Refere-se ao direito de um grupo de pessoas de seguir ou adotar uma forma de liberdade de acordo com sua própria escolha. (PÉREZ DE CUÉLLAR, 1996, P.25)

No mundo ocidental, a crença dominante tem sido de que a liberdade individual é a única forma real de liberdade e devemos todos aceitar isso. O fato de poder existir (e existem) formas de liberdade mais valiosas, que podem ter conseqüências e efeitos contraditórios, parece incomum para a mente ocidental.
Um caso interessante sobre este tema foi levado à corte em Beirute. Um dos mais amados músicos e compositores do mundo árabe, Marcel Khalife, havia convertido em música um poema, “Ó Pai, sou eu, Youssef”, que termina com um verso do Alcorão. O juiz do Supremo de Beirute, um Sunni, indiciou Marcel por crime contra a religião dominante no país, o islamismo. O grande mufti, Muhammad Kabanech, explicou por que isso aconteceu:

Quando você inclui um instrumento musical para acompanhar o Alcorão, você ultrapassa o respeito devido à palavra de Deus na Terra. Existem regras que devem ser respeitadas. Este tema não tem nada a ver com liberdade. Um artista pode utilizar as palavras escritas por outros como deseja, mas não tem o direito de utilizar a palavra de Deus.

O juiz, entretanto, rejeitou todas as acusações: “O acusado cantou todos os versos do sagrado Alcorão respeitosamente. Portanto, ele não violou a santidade do Alcorão, nem encorajou outros a faze-lo”.

Existem muitos outros conflitos e contradições sociais. Nem todos influenciados por sentimentos religiosos conflitantes com a cultura."

Artes Sob Pressão
Joost Smiers

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

O DADAÍSMO

"Pegue um jornal.
Pegue a tesoura.
Escolha no jornal um artigo do tamanho que você deseja dar a seu poema.
Recorte o artigo.
Recorte em seguida com atenção algumas palavras que formam esse artigo e meta-as num saco.
Agite suavemente.
Tire em seguida cada pedaço um após o outro.
Copie conscienciosamente na ordem em que elas são tiradas do saco.
O poema se parecerá com você.
E ei-lo um escritor infinitamente original e de uma sensibilidade graciosa, ainda que incompreendido do público."
[O poeta romeno Tristan Tzara, um dos principais representantes do movimento, dá uma receita, em seu último manifesto, para fazer um poema dadaísta]

Receita do Engrenagem para nosso Poema Dadaísta:
Cada um deveria apresentar para o sorteio da ordem das frases do poema:
- uma palavra do texto do Galeano sobre o Consumismo,
- uma frase do texto do Galeano sobre o Consumismo,
- uma frase de propaganda (valendo outdoor, comercial de TV, rádio, jornal, etc, mas que tenha sido visto nessa semana).

O POEMA SOBRE O CONSUMISMO

A gente paga pra você assinar
IDIOMA
IDENTIDADE
Renda-se,
VIDA
Os donos do mundo usam o mundo como se fosse descartável
TELEVISÃO
Não existe natureza capaz de alimentar um shopping center do tamanho do planeta
SISTEMA
A cultura do consumo fez da solidão o mais lucrativo dos mercados
Nada é de graça e que os artigos de luxo mais caros são o ar e o silêncio
Para um cliente ser prime é ter tempo. Para um artista é ter reconhecimento
banco real, o banco de sua vida
Fogos a preço de bala!
A dor de já não ser, deu lugar a vergonha de não ter
Esta ditadura da uniformização obrigatória é mais devastadora do que qualquer ditadura do partido único
DESCARTÁVEL
Este carro tem o melhor de Paris e o melhor de Dakar, fica fácil entender por que seu símbolo são 3 diamantes
Destaque a sua decoração!
COISAS
Um homem pobre é um pobre homem.
Sobre o Dadaísmo:
O dadaísmo foi um movimento artístico que surgiu na Europa (cidade de Zurique) no ano de 1916. Possuía como característica principal a ruptura com as formas de arte tradicionais. Caracteriza-se pelo desejo de destruir as formas de arte institucionalizadas e de romper o limite entre as várias modalidades artísticas. Os artistas opõem-se à sociedade materialista, vista como fracassada por promover a guerra, e propõem ignorar o conhecimento até então acumulado pela humanidade. O movimento, que negava todas as tradições sociais e artísticas, tinha como base um anarquismo niilista e o slogan de Bakunin: "a destruição também é criação". Contrários à burguesia e ao naturalismo, identificado como "a penetração psicológica dos motivos do burguês", buscavam a destruição da arte acadêmica e tinham grande admiração pela arte abstrata. O objetivo máximo era o escândalo.O Dadaismo procurava chocar um público mais ligado a valores tradicionais e libertar a imaginação via destruição das noções artísticas convencionais.

Características principais do dadaísmo:
- Objetos comuns do cotidiano são apresentados de uma nova forma e dentro de um contexto artístico;

- Irreverência artística;
- Combate às formas de arte institucionalizadas;
- Crítica ao capitalismo e ao consumismo;
- Ênfase no absurdo e nos temas e conteúdos sem lógica;
- Uso de vários formatos de expressão (objetos do cotidiano, sons, fotografias, poesias, músicas, jornais, etc) na composição das obras de artes plásticas;
- Forte caráter pessimista e irônico, principalmente com relação aos acontecimentos políticos do mundo.

NO TEATRO – Sua principal característica é a rebeldia da encenação. Os atores apresentam-se em espaços não convencionais e brincam com a platéia. Os textos são improvisados ou escritos com forte carga poética, algumas vezes sem lógica. O Coração a Gás, de Tristan Tzara, é considerada a peça mais importante do Dadá-Paris. Em Berlim se realizavam noitadas improvisadas e a atribuição de títulos honoríficos dadaístas aos políticos mais conhecidos, a sua revelia.

[Fontes:
http://www.suapesquisa.com/artesliteratura/dadaismo.htm
http://www.mundofisico.joinville.udesc.br/Enciclopedia/31.htm
http://www.pitoresco.com.br/art_data/dadaismo/index.htm
http://pt.wikipedia.org/wiki/Dada%C3%ADsmo ]


A DITADURA DO CONSUMO

"O direito de existir agora coincide com o direito de consumir
Vemos
um comércio de corpos.
Vemos
a vida como capital biopolítico"
"O ato de resistência possui duas faces. Ele é humano e é também um ato artístico. Somente o ato de resistência resiste à morte, seja sob a forma de uma obra de arte, seja sob a forma de uma luta de homens." [Gilles Deleuze]



Iniciamos nossa pesquisa à Ditadura do Consumo.

"Dize-me quanto consomes e te direi quanto vales. Esta civilização não deixa as flores dormirem, nem as galinhas, nem as pessoas. Nas estufas, as flores estão expostas à luz contínua, para fazer com que cresçam mais rapidamente. Nas fábricas de ovos, a noite também está proibida para as galinhas. E as pessoas estão condenadas à insônia, pela ansiedade de comprar e pela angústia de pagar.

A produção em série, em escala gigantesca, impõe em todas partes suas pautas obrigatórias de consumo. Esta ditadura da uniformização obrigatória é mais devastadora do que qualquer ditadura de partido único: impõe, no mundo inteiro, um modo de vida que reproduz seres humanos como fotocópias do consumidor exemplar.
O consumidor exemplar é o homem quieto.

As massas consumidoras recebem ordens em um idioma universal: a publicidade conseguiu aquilo que o esperanto quis e não pôde. Qualquer um entende, em qualquer lugar, as mensagens que a televisão transmite. No último quarto de século, os gastos em propaganda dobraram no mundo todo. Graças a isso, as crianças pobres bebem cada vez mais Coca-Cola e cada vez menos leite e o tempo de lazer vai se tornando tempo de consumo obrigatório.

Tempo livre, tempo prisioneiro: as casas muito pobres não têm cama, mas têm televisão, e a televisão está com a palavra. Comprado em prestações, esse animalzinho é uma prova da vocação democrática do progresso: não escuta ninguém, mas fala para todos. Pobres e ricos conhecem, assim, as qualidades dos automóveis do último modelo, e pobres e ricos ficam sabendo das vantajosas taxas de juros que tal ou qual banco oferece. Os especialistas sabem transformar as mercadorias em mágicos conjuntos contra a solidão. As coisas possuem atributos humanos: acariciam, fazem companhia, compreendem, ajudam, o perfume te beija e o carro é o amigo que nunca falha. A cultura do consumo fez da solidão o mais lucrativo dos mercados.

Os donos do mundo usam o mundo como se fosse descartável: uma mercadoria de vida efêmera, que se esgota assim como se esgotam, pouco depois de nascer, as imagens disparadas pela metralhadora da televisão e as modas e os ídolos que a publicidade lança, sem pausa, no mercado. Mas, para qual outro mundo vamos nos mudar? Estamos todos obrigados a acreditar na historinha de que Deus vendeu o planeta para umas poucas empresas porque, estando de mau humor, decidiu privatizar o universo? A sociedade de consumo é uma armadilha para pegar bobos.
A injustiça social não é um erro por corrigir, nem um defeito por superar: é uma necessidade essencial. Não existe natureza capaz de alimentar um shopping center do tamanho do planeta." (Eduardo Galeano)

Vídeos assistidos pela Engrenagem, nesse processo:

COMPRE-ME: EU, VONTADE DE MORRER - Em uma confluência dos universos das artes, comunicação, tecnologia e política, surgem teorias e ações de ativistas influenciados pela cultura pós-moderna. Uma pergunta é comum entre esses outsiders: como resistir? Depoimentos de Antonio Negri, Naomi Klein, Peter Pál Pelbart, Fernando Solanas, Sílvio Mieli, Ccoletivo Temp, Coletivo Radioatividade, Ricardo Rosas (Mídia Tática), Movimento dos sem-teto. Direção, produção, edição e montagem: Pedro Bayeux, Colaboração: Flávio Soares, Leonardo Germani, Bruno Pozzi, Gustavo Nóbrega, Tiago Pariz, Fabio Pinc, Renato Stockler, Claudio Ribeiro, Julio Wainer, Vichê.

CALÇADA DA FOME - Sensível à palavra de ordem elaborada por Fernando Brant e Milton Nascimento nos anos 70, Cactos Intactos, neste curta-metragem de 5 minutos, premeditou precisamente ir onde o povo está. Com este propósito, o grupo não hesitou em submergir nas profundezas do inferno tupiniquim, onde campeiam, como flagelos, a miséria absoluta e a iniqüidade sádica. Os depoimentos pungentes colhidos junto a moradores de rua, párias e desvalidos em geral impressionam e surpreendem por sua pungente autenticidade. Reivindicar e protestar em nome dos excluídos sociais, vítimas da globalização imperialista é importante e imprescindível, mas escutar com atenção o que eles têm a dizer sobre a própria situação não deixa de ser também fundamental.

MANIPULAÇÃO DE MASSA - "A massa discute a manipulação da mí­dia?" O documentário premiado é um ensaio experimental sobre opiniões populares a respeito do poder de influência dos grandes meios de comunicação. A montagem, que deturpa ironicamente os depoimentos dos entrevistados, evidencia as possibilidades de se manipular informação, fazendo do próprio filme um exemplo de manipulação da mí­dia. Roteiro, edição e direção: Guilherme Reis, Direção de produção: João Paulo Azevedo, Equipe de produção: Ronaldo Jannotti, Manuela Camisasca, Thaí­s Torres, Edicarlos Pereira, Gerson e Lélio Franklin. Captação de som: Byron O'Neill e João Carvalho, Música: Rafael Nelvam, Gil Amâncio e Mateus Guerra, Direção de fotografia: Byron O'Neill, Gerson Pires e João Carvalho, Câmera: Byron O'Neill, Daniel Mendes, Gerson Pires, Gustavo Brandão, João Carvalho e Michel Brasil, Animação: Henrique Gomes - Adaptada da Ví­deo-instalação de Daniel Mendes, Manipulação de fotografias: Daniel Hazan, Montagem: Guilherme Reis, Daniel Hazan e João Paulo Azevedo, Fotógrafa: Maria Fiúza, Fotografia still: Alessandro Ceci, Gustavo Brandão, Maria Fiúza e Rodrigo Ladislau

COMPRE-ME: EU, VONTADE DE MORRER (parte 1/3)







COMPRE-ME: EU, VONTADE DE MORRER (parte 2/3)






COMPRE-ME: EU, VONTADE DE MORRER (parte 3/3)







CALÇADA DA FOME







MANIPULAÇÃO DE MASSA






quarta-feira, 12 de novembro de 2008

BALANÇO GERAL e PLANEJAMENTOS

Oi. E aí, tudo bem? Graças a Deus. Essa semana a redação dos acontecimentos da reunião anterior ficou sob minha responsabilidade. Olha que bonito. Espero que Alzheimer permita que as informações escritas sejam fidedignas à realidade. E que a ordem dos fatores não altere o produto.

Discutimos longamente as questões burocráticas do grupo e definimos algumas prioridades. Conversamos sobre CNPJ, espaço para ensaio, linha de interpretação, pesquisa, entre outras cositas mais.

Também conversamos acerca do VIII Festival de Esquetes Elbe de Holanda. E como foi importante a presença de todas as peças da engrenagem, mesmo só tendo dois se apresentando. Nosso ego meio que está dançando rumba de satisfação porque “Tudo aquilo que eu esperava” foi além do que nós esperávamos. O retorno que a gente teve do nosso trabalho foi do caralho.

Debatemos o texto Império do Consumo, de Eduardo Galeano [http://oxigenio2.magaweb.com.br/index.php?id=715 LEIAM!!!]. Isso ampliou nossa visão a respeito daquilo que a Cia quer falar e que seja comum a todos os membros. Decidimos falar sobre ditadura. Nada definitivo, apenas uma possibilidade. Combinamos que não pesquisaremos somente a ditadura militar, mas todo tipo de ditadura que nos oprime ou oprimiu ao longo da história. “Oprimir” é um verbo muito escroto e eu fico meio assim de usá-lo, pois é fácil de cair no lugar-comum. E "lugar-comum" é tudo que nós não queremos. Mas no momento não há palavra melhor para designar essa ação recorrente. Muitas ditaduras nos foram empurradas goela a baixo: militar, escravidão, consumo, religiosa, violência. Logo, temos um material farto – e não sei até que ponto isso é bom ou ruim – para realizarmos um ótimo trabalho. Nesse primeiro momento, cada peça da Engrenagem pesquisará assuntos concernentes ao consumo. Até para não perdermos o gancho de Galeano.

No próximo encontro trabalharemos na construção de um poema dadaísta (!) [com o tema Consumo], apresentaremos nossa pesquisa sobre consumismo e levaremos algo sobre nós mesmos, tipo “myself” da vida de cada um, para mostrarmos uns aos outros, olha que bacana, um pouco de nossas vontades e posicionamento artístico.

O próximo encontro está marcado para oito da manhã. Um abuso! Mas é o horário comum a todos. E a vontade imensa de fazer com que a coisa aconteça e dê certo é infinitamente maior que o inconveniente de ter que acordar cedo em um sábado. Aliás, quando o assunto é arte não há inconveniente, sacrifício, rabugice, e sim o grande amor que nos move. E acreditamos nisso total.

domingo, 2 de novembro de 2008

TUDO AQUILO QUE EU ESPERAVA

"Eu não acreditava na existência do limbo. Eu acredito em muita coisa, mas em limbo? Não. Acredito na Ciência, no efeito do ácido, em duende. Eu acredito na rapaziada que segue em frente e segura o rojão.
...Qual o sentido disso? Qual o sentido de ter uma vida sem miséria com tantos miseráveis ao meu redor? Miséria de afeto, miséria de fome...
...Todas as pessoas deveriam ter o direito de um dia de fúria garantido na Constituição!
...Eu juro pelos meus dentes que eu te mataria se nós já não estivéssemos mortos. Você acabou com a minha vida... Eu morri vítima de um caralhinho voador!!! ...Será que existe alguém feliz nesse mundo? Ou naquele? Sei lá como é que se fala nesse lugar...
...Que tal seu sonho? É... não era tudo aquilo que eu esperava. É a vida. Ou a morte."

Com muito orgulho e alegria, a Cia Engrenagem de Arte Revolucionária subiu ontem ao palco da Casa de Cultura Elbe de Holanda, no primeiro dia de apresentações do VIII Festival de Esquetes Elbe de Holanda, com o texto do Rodrigo Abrahão (Tudo aquilo que eu esperava), Direção de Cristina Froment e Rodrigo Gondim, Trilha de Rodrigo Gondim, Dan Carrarini e Rodrigo Abrahão atuando e Encenação e Figurinos da Cia Engrenagem de Arte Revolucionária.

A Cia é muito nova, ainda estamos no nosso processo de investigação e pesquisa de linguagem, mas o mais bacana disso tudo é ver que já estamos realizando juntos. E, principalmente, marcando nossa presença em conjunto. Mesmo sendo apenas dois de nós no palco, a Cia estava toda lá, todos de vermelho, marcando presença e criando uma identidade visual, como observado e dito por outros participantes do festival.

A apresentação foi muito boa e a reação do público foi melhor do que esperávamos. Recebemos inúmeras críticas elogiosas e incentivos à continuação do nosso trabalho.

Registramos todo o processo, desde os ensaios, aos bastidores e apresentação.
Confira as fotos nos álbuns:



quarta-feira, 29 de outubro de 2008

VIII Festival de Esquetes ELBE DE HOLANDA



Apresento-lhes o primeiro trabalho da Cia Engrenagem de Arte Revolucionária. O Tudo aquilo que eu esperava ainda não é o resultado de uma pesquisa específica de linguagem, mas é resultante do nosso esforço coletivo!!

Dia 01/11/08 às 20:00hs, na Casa de Cultura Elbe de Holanda, Rua Eng. Rozauro Zambrano, 302 – Jardim Guanabara - Ilha do Governador – Rio de Janeiro – RJ

Dá-lhe ENGRENAGEM!!!

Eduardo Galeano


"Na parede de um botequim de Madri, um cartaz avisa: Proibido cantar. Na parede do aeroporto do Rio de Janeiro, um aviso informa: È proibido brincar com os carrinhos porta-bagagem. Ou seja, ainda existe gente que canta, ainda existe gente que brinca"


O jornalista e escritor Eduardo Hugbes Galeano nasceu no inverno de 1940, em Montevidéu. Aos 14 anos já publicava desenhos que assinava como “Gius”. Galeano fez de tudo: foi mensageiro, desenhista, peão em fábrica de inseticida, cobrador, taquígrafo, caixa de banco, diagramador, editor e peregrino pelos caminhos da América. Em Montevidéu dirigiu um semanário chamado Marcha e foi diretor do jornal Época. Preso pelo regime militar uruguaio, em 1973 começa seu exílio na Espanha. Transfere-se para a Argentina, onde funda a revista Crisis com Julio Cortázar, escritor e jornalista argentino. Em 1985, após 12 anos de exílio, Galeano retorna ao Uruguai. Para ele, as lembranças dos regimes militares ainda lhe causam muita dor. Quando ocorreu o golpe na Argentina, em março de 1976, vários de seus companheiros desapareceram e outros foram torturados. Nessa época, o escritor de Veias Abertas corria risco de vida, pois seu nome fazia parte de uma lista de procurados. Em uma entrevista, o escritor disse que a única maneira para a brutalidade das ditaduras não se repetir é manter a história viva.

A história é um profeta com olhar voltado para trás: pelo que foi, e contra o que foi, anuncia o que será. Essa frase é do escritor uruguaio Eduardo Galeano e foi publicada na contracapa do livro As Veias Abertas da América Latina, que está completando 30 anos de seu lançamento em 1971. Em uma época que a maioria dos países latinos convivia com as mordaças das ditaduras militares, Galeano rompeu o silêncio e denunciou os instrumentos de espoliação, as injustiças à sombra do poder e o saque ao continente. Fatos, como ele mesmo diz, que insistem em se apresentar como obra do destino e do acaso. Aos 60 anos, idolatrado pelas esquerdas, Galeano tornou-se símbolo de resistência à exploração dos povos oprimidos do continente latino-americano. Sua voz não cala e suas palavras continuam encantando leitores de todos os continentes. Durante a abertura do Fórum Social Mundial, a atriz Celina Alcântara subiu ao palco de seios à mostra e, cercada por desempregados e trabalhadores sem-terra, recitou uma crônica escrita por Galeano em 1998. A interpretação do texto O Direito ao Delírio, que fala de um século 21 sem pobres, guerras e meninos de rua, emocionou a platéia.

A capacidade que Galeano tem de encantar e de transmitir seus sonhos e a teimosia em querer transformar o mundo levaram mais de 700 pessoas a disputar um lugar no Teatro da PUC, durante a sua palestra no FSM. Todos queriam ver o autor com quem compartilham planos, frustrações e esperanças. Em sua primeira frase o escritor já arrancou aplausos: “Se podemos organizar toda essa gente aqui, somos mesmo capazes de tudo”, referindo-se ao princípio de tumulto causado pela superlotação do auditório. Em seguida, leu uma série de crônicas suas, onde retrata as dores e os projetos da humanidade e a barbárie dos tempos que instituíram “o medo global”.

Questionado sobre as perspectivas para América Latina, passados 30 anos da publicação de Veias Abertas, Eduardo Galeano diz que a América Latina empobreceu, perdeu sua soberania e diminuiu sua autonomia, ao mesmo tempo em que o sistema neoliberal global foi se articulando e tornando-se unânime, alimentando-se das desigualdades, que são cada vez maiores. Por isso, a América Latina tem um imenso desafio e vamos ver como reage frente a ele. Poderá ser uma cópia do mundo desenvolvido e dos países que nos governam ou poderá seguir o seu próprio caminho, o caminho das suas próprias esperanças. Esse é o desafio que está diante de nós. E acredito que o melhor que temos no mundo é a quantidade de mundos existentes, as diferentes culturas e as mais variadas formas das coletividades se expressarem. Ou nos afirmamos com nossos próprios ideais ou vamos nos converter em uma sociedade que aceita a história oficial, nos tornando uma caricatura dos países ricos, que roubam nossa memória e as nossas riquezas. Diz que a situação da América Latina hoje piorou em relação aos 30 anos que se passaram, desde a publicação de Veias Abertas. Versão.

Com relação ao neoliberalismo e a globalização, Galeano afirma: "O sistema de poder vende a si mesmo como eterno, o amanhã é outro nome de hoje, e nos convida à aceitação como modo de vida. Estamos paralisados por este sistema de poder. É assim porque assim será e nós estamos nos acostumando a esta eternidade e aceitamos tudo como se fosse inevitável. Estamos cada vez mais prisioneiros do dinheiro. A globalização, para além do comércio internacional, nos impõe uma cultura universal que se apóia no medo. Esse é um mundo paralisado pelo medo que impede de nos mover, até de tomar medidas que eventualmente não sejam aceitas pelo FMI. Nunca o mundo havia sido tão desigual nas oportunidades que oferece e tão igual nos costumes que impõe. O símbolo perfeito é o McDonald’s. Aconteceu a “mcdonaldização” do mundo. De certa forma, os pobres comem melhor que os ricos, que aceitam essa comida de plástico."

Com relação ao genocídio na América Latina, Galeano afirma: "Os países que mais armas vendem ao mundo são os mesmos países que têm a seu cargo a paz mundial. Felizmente para eles, a ameaça da paz está se debilitando e o mercado de guerra se recupera e oferece promissora perspectiva de rendas e de carnicerias ao sul do mundo. Este é um mundo criminalmente organizado. Mata-se muito à bala, vende-se cada vez mais armas. De acordo com números de organismos internacionais é possível afirmar que se o mundo dedicasse 12 dias, apenas 12 dias, do dinheiro que gasta em armamentos para ajudar as crianças pobres do planeta, estas crianças poderiam ter escola, assistência médica e comida. Portanto não se mata apenas à bala. Mata-se também de fome e de doenças curáveis. E não se matam só os corpos, mas também a alma. Há corpos a andar por aí sem vida. E matam o ar, a água e a terra. E matam o mundo."

[Fonte: República das Letras
Bibliografia: Los días siguientes (1963), China (1964), Guatemala (1967), Reportagens (1967), Los fantasmas del día del léon y otros relatos (1967), Su majestad el fútbol (1968), As veias abertas da América Latina (1971), Siete imágenes de Bolivia (1971),Violencía y enajenación (1971), Crónicas latinoamericanas (1972), Vagamundo (1973), La cancion de nosotros (1975), Conversaciones con Raimón (1977), Días y noches de amor y de guerra (1978), La piedra arde (1980), Voces de nuestro tiempo (1981), Memória do fogo (1982-1986), Aventuras de los jóvenes dioses (1984), Ventana sobre Sandino (1985), Contraseña (1985), El descubrimiento de América que todavía no fue y otros escritos (1986), El tigre azul y otros artículos (1988), Entrevistas y artículos (1962-1987), O Livro dos Abraços (1989), Nós Dizemos Não (1989), América Latina para entenderte mejor (1990), Palabras: antología personal (1990), An Uncertain Grace com Fred Ritchin, Ser como ellos y otros artículos (1992), Amares (1993), Las palabas andantes (1993), úselo y tírelo (1994),O futebol de sol a sombra (1995), Bocas del Tiempo (2004), O Teatro do Bem e do Mal (2002)].

Os textos de Eduardo Galeano


Alguns dos textos de Eduardo Galeano, lidos na última reunião pelas peças da Engrenagem! Fizemos uma dinâmica, onde cada um recebeu um texto a ser lido. Em seguida, um único texto foi dividido em sete partes, tendo suas partes numeradas e dobradas com seus respectivos números. Fizemos o sorteio e os textos foram lidos, de acordo com a sequência que cada um recebeu.

A acrobata (Para o Engrenagem)
Luz Marina Acosta era menininha quando descobriu o circo Firuliche. O circo Firuliche emergiu certa noite, mágico barco de luzes, das profundidades do Lago da Nicarágua. Eram clarins guerreiros as cometas de papelão dos palhaços e bandeiras altas os farrapos que ondulavam anunciando a maior festa do mundo. A lona estava toda cheia de remendos, e também os leões, aposentados leões; mas a lona era um castelo e os leões, os reis da selva. E uma senhora rechonchuda, brilhante de lantejoulas, era a rainha dos céus, balançando nos trapézios a um metro do chão.
Então, Luz Marina decidiu tornar-se acrobata. E saltou de verdade, lá do alto, e em sua primeira acrobacia, aos seis anos de idade, quebrou as costelas.
E assim foi, depois, a vida. Na guerra, longa guerra contra a ditadura de Somoza, e nos amores: sempre voando, sempre quebrando as costelas.
Porque quem entra no circo Firuliche não sai jamais.


Celebração da coragem (Rodrigo Abrahão)
Sérgio Vuskovic me conta os últimos dias de José Tohá. — Suicidou-se — disse o general Pinochet —. O governo não pode garantir a imortalidade de ninguém — escreveu um jornalista da imprensa oficial.
— Estava magro por causa dos nervos — declarou o general Leigh.
Os generais chilenos odiavam-no. Tohá tinha sido ministro da Defesa no governo Allende, e conhecia os seus segredos.
Estava num campo de concentração, na ilha de Dawson, ao sul do sul.
Os prisioneiros estavam condenados a trabalhos forçados. Debaixo da chuva, metidos no barro ou na neve, os prisioneiros carregavam pedras, erguiam muros, colocavam encanamentos, pregavam postes e estendiam cercas de arame farpado.
Tohá, que tinha um metro e noventa de altura, estava pesando cinqüenta quilos. Nos interrogatórios, desmaiava. Era interrogado sentado numa cadeira, com os olhos vendados. Quando despertava, não tinha forças para falar, mas sussurrava:
— Escute, oficial. Sussurrava:
— Viva os pobres do mundo.
Estava há algum tempo tombado na barraca, quando um dia levantou-se. Foi o último dia em que se levantou.
Fazia muito frio, como sempre, mas havia sol. Alguém conseguiu café bem quente para ele e o negro Jorquera assoviou para ele um tango de Gardel, um daqueles velhos tangos dos quais ele tanto gostava.
As pernas tremiam, e a cada passo os joelhos se dobravam, mas Tohá dançou aquele tango. Dançou-o com uma vassoura, magra como ele, ele e a vassoura, ele encostando o cabo da vassoura em sua cara de fidalgo cavalheiro, os olhinhos fechados, até que numa volta caiu ao chão e já não conseguiu mais levantar. Nunca mais foi visto.

A alienação (Rodrigo Gondim)
Em meus anos moços, fui caixa de banco. Recordo, entre os clientes, um fabricante de camisas. O gerente do banco renovava suas promissórias só por piedade. O pobre camiseiro vivia em perpétua soçobra. Suas camisas não eram ruins, mas ninguém as comprava.
Certa noite, o camiseiro foi visitado por um anjo. Ao amanhecer, quando despertou, estava iluminado. Levantou-se de um salto.
A primeira coisa que fez foi trocar o nome de sua empresa, que passou a se chamar Uruguai Sociedade Anônima, patriótico nome cuja sigla é U. S. A. A segunda coisa que fez foi pregar nos colarinhos de suas camisas uma etiqueta que dizia, e não mentia: Made in U. S. A. A terceira coisa que fez foi vender camisas feito louco. E a quarta coisa que fez foi pagar o que devia e ganhar muito dinheiro.


A função da arte (Matheus Toledo)
Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.
Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:
— Me ajuda a olhar!

Mapa-múndi / A fome (Jonas de Sá)

Um sistema de desvinculo: Boi sozinho se lambe melhor.., O próximo, o outro, não é seu irmão, nem seu amante. O outro é um competidor, um inimigo, um obstáculo a ser vencido ou uma coisa a ser usada. O sistema, que não dá de comer, tampouco dá de amar: condena muitos à fome de pão e muitos mais à fome de abraços.

O sistema:
Com uma das mãos rouba o que com a outra empresta.
Suas vítimas:
Quanto mais pagam, mais devem.
Quanto mais recebem, menos têm.
Quanto mais vendem, menos compram.

No Sul, a repressão. Ao Norte, a depressão.
Não são poucos os intelectuais do Norte que se casam com as revoluções do Sul só pelo prazer de ficarem viúvos. Prestigiosamente choram, choram a cântaros, choram mares, a morte de cada ilusão; e nunca demoram muito para descobrir que o socialismo é o caminho mais longo para chegar do capitalismo ao capitalismo.
A moda do Norte, moda universal, celebra a arte neutra e aplaude a víbora que morde a própria cauda e acha que é saborosa. A cultura e a política se converteram em artigos de consumo. Os presidentes são eleitos pela televisão, como os sabonetes, e os poetas cumprem uma função decorativa. Não há maior magia que a magia do mercado, nem heróis mais heróis que os banqueiros.
A democracia é um luxo do Norte. Ao Sul é permitido o espetáculo, que não é negado a ninguém. E ninguém se incomoda muito, afinal, que a política seja democrática, desde que a economia não o seja. Quando as cortinas se fecham no palco, uma vez que os votos foram depositados nas urnas, a realidade impõe a lei do mais forte, que a lei do dinheiro. Assim determina a ordem natural das coisas. No Sul do mundo, ensina o sistema, a violência e fome não pertencem à história, mas à natureza, e a justiça liberdade foram condenadas a odiar-se entre si.


A dieta (Carlos Aleixo)
Sarah Tarler Bergholz era muito baixinha. Não precisava nem sentar para que seus netos penteassem seus cabelos, que caiam em caracóis da sua cara simpática até a altura do umbigo.
Sarah estava tão gorda que já não podia respirar. Num hospital de Chicago, o médico disse a ela o que era evidente: para recuperar a proporção entre estatura e voluma, deveria fazer uma dieta rigorosa e eliminar as gorduras.
A voz de Sarah era de seda. Suas mais enérgicas afirmações pareciam confidências. Falando como que em segredo, olhou fico para o médico e disse:
- Eu não tenho certeza se a vida vale a pena sem salame.
Morreu abraçada à sua perdição, no ano seguinte. O coração falhou. Para a ciência era um caso claro; mas jamais se saberá se o coração estava farto de tanto salame, ou exausto de tanto se dar.
(Bocas do tempo)

O diagnóstico e a terapêutica / A pequena morte (Cristina Froment)
O amor é uma das doenças mais bravas e contagiosas. Qualquer um reconhece os doentes dessa doença. Fundas olheiras delatam que jamais dormimos, despertos noite após noite pelos abraços, ou pela ausência de abraços, e padecemos febres devastadoras e sentimos uma irresistível necessidade de dizer estupidezes. O amor pode ser provocado deixando cair um punhadinho de pó de me ame, como por descuido, no café ou na sopa ou na bebida. Pode ser provocado, mas não pode impedir. Não o impede nem a água benta, nem o pó de hóstia; tampouco o dente de alho, que nesse caso não serve para nada. O amor é surdo frente ao Verbo divino e ao esconjuro das bruxas. Não há decreto de governo que possa com ele, nem poção capaz de evitá-lo, embora as vivandeiras apregoem, nos mercados, infalíveis beberagens com garantia e tudo.
Não nos provoca riso o amor quando chega ao mais profundo de sua viagem, ao mais alto de seu vôo: no mais profundo, no mais alto, nos arranca gemidos e suspiros, vozes de dor, embora seja dor jubilosa, e pensando bem não há nada de estranho nisso, porque nascer é uma alegria que dói. Pequena morte, chamam na França a culminação do abraço, que ao quebrar-nos faz por juntar-nos, e perdendo-nos faz por nos encontrar e acabando conosco nos principia. Pequena morte, dizem; mas grande, muito grande haverá de ser, se ao nos matar nos nasce.


Crônica da cidade de Nova Iorque (Daniel Carrarini)
É madrugada e estou longe do hotel, bem ao sul da ilha de Manhattan. Tomo um táxi. Digo aonde vou em perfeito inglês, talvez ditado pelo fantasma de meu tataravô de Liverpool. O chofer me responde em perfeito castelhano de Guayaquil.
Começamos a rodar, e o chofer me conta a sua vida. Dispara a falar, e não pára. Fala sem olhar para mim, com os olhos grudados no rio de luzes dos automóveis na avenida. Conta dos assaltos que sofreu, dás vezes em que quiseram matá-lo, da loucura do trânsito nesta cidade de Nova Iorque, e fala do sufoco, do compre, compre, use, jogue fora, seja comprado, seja usado, seja jogado, e aqui o negócio é abrir caminho na porrada, na base do esmague ou será esmagado, passam por cima de você, e ele está nesta desde que era garoto, desse jeito, desde que era um garoto recém-chegado do Equador — e conta que agora foi abandonado pela mulher.
A mulher foi-se embora depois de doze anos de casamento. Não é culpa dela, diz. Entro e tchau, diz. Ela nunca gozou, diz.
Diz que a culpa é da próstata.



1 Um grupo de extraterrestres visitou recentemente nosso planeta. Eles queriam nos conhecer, por mera curiosidade ou sabe-se lá com que ocultas intenções.Os extraterrestres começaram por onde deviam começar. Iniciaram a expedição estudando o país que é o número um em tudo, número um até nas linhas telefônicas internacionais: o poder obedecido, o paraíso invejado, o modelo que o mundo inteiro imita. Começaram por ali, tratando de entender o manda-chuva para depois entender todos os outros.Chegaram em tempo de eleições. Os cidadãos acabavam de votar e o prolongado acontecimento havia mantido o mundo todo em suspenso.
A delegação extraterrestre foi recebida pelo presidente que saía. A entrevista teve lugar no Salão Oval da Casa Branca, reservado exclusivamente aos visitantes do espaço sideral, para evitar escândalos. O homem que concluía seu mandato respondeu às perguntas sorrindo.

2 Os extraterrestres queriam saber se no país vigorava um sistema de partido único, pois tinham ouvido na tevê apenas dois candidatos e os dois diziam a mesma coisa.E tinham também outras inquietudes:Por que demoraram mais de um mês para contar os votos? Aceitariam os senhores a nossa ajuda para superar este atraso tecnológico? Por que sempre vota apenas a metade da população adulta? Por que a outra metade nunca se dá a esse trabalho?


3 Por que ganha aquele que chega em segundo lugar? Por que perde o candidato que tem 328.696 votos de vantagem? A democracia não é o governo da maioria?E outro enigma os preocupava: por que os outros países aceitam que este país lhes tome a lição de democracia, dite-lhes normas e lhes vigie as eleições? As respostas os deixaram ainda mais perplexos.Mas continuaram perguntando. Aos geógrafos: por que se chama América este país que é um dos muitos países do continente americano?Aos dirigentes esportivos: por que se chama Campeonato Mundial ("World Series") o torneio nacional de beisebol?

4 Aos chefes militares: por que o Ministério da Guerra se chama Secretaria da Defesa, num país que nunca foi invadido por ninguém?Aos sociólogos: por que uma sociedade tão livre tem o maior número de presidiários do mundo?Aos psicólogos: por que uma sociedade tão sã engole a metade dos psicofármacos que o planeta fabrica?Aos dietistas: por que tem o maior número de obesos o país que dita o cardápio dos demais países?


5 Se os extraterrestres fossem simples terrestres, esta absurda perguntalhada teria acabado mal. No melhor dos casos, teriam recebido um portaço no nariz. Toda tolerância tem limite. Mas eles seguiram curioseando, a salvo de qualquer suspeita de impertinência, má-educação ou segundas intenções. E perguntaram aos estrategistas da política externa: se os senhores têm, aqui pertinho, uma ilha onde estão à vista os horrores do inferno comunista, por que não organizam excursões ao invés de proibir as viagens?E aos signatários do tratado de livre comércio: se agora está aberta a fronteira com o México, por que morre mais de um mexicano por dia querendo cruzá-la? E aos especialistas em direitos trabalhistas: por que MacDonald's e Wal-Mart proíbem os sindicatos, aqui e em todos os países onde operam?


6 E aos economistas: se a economia duplicou nos últimos vinte anos, por que a maioria dos trabalhadores ganha menos do que antes e trabalha mais horas?Ninguém negava resposta àquelas figurinhas, que persistiam em seus disparates. E perguntaram aos responsáveis pela saúde pública: por que proíbem que as pessoas fumem, enquanto fuma livremente os automóveis e as fábricas?E ao general que dirige a guerra contra as drogas: por que as prisões estão cheias de drogadinhos e vazias de banqueiros lavadores de narcodólares?

7 E aos diretores do Fundo Monetário e do Banco Mundial: se este país tem a maior dívida externa do planeta, e deve mais do que todos os outros países juntos, por que os senhores não o obrigam a cortar gastos públicos e eliminar seus subsídios?E aos cientistas políticos: por que os que aqui governam falam sempre de paz, enquanto este país vende a metade das armas de todas as guerras? E aos ambientalistas: por que os que aqui governam falam sempre no futuro do mundo, enquanto este país gera a maior parte da contaminação que está acabando com o futuro do mundo?Quanto mais explicações recebiam, menos entendiam. Mas durou pouco a expedição. Os turistas se deram por vencidos.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

PESSOAS INVISÍVEIS - ARMAZÉM CIA DE TEATRO


"O que se vê no palco é o mundo a nossa volta e o mundo dentro de nós"


Seguindo a proposta da CIA Engrenagem de estudar o aspecto político-social, mas também o aspecto humano da sociedade contemporânea, esta semana assistimos a peça PESSOAS INVISÍVEIS, da Armazém Companhia de Teatro.
A peça é baseada nos quadrinhos de Will Eisner, um dos principais artistas do século XX nesta área. A obra de Eisner se caracteriza por explorar os efeitos da vida urbana nas pessoas que vivem em grandes cidades, e transformar a cidade e seus elementos nos verdadeiros protagonistas de suas estórias.
Estabelecendo uma linguagem própria, o grupo transpõe a linguagem dos quadrinhos para o espaço cênico. A encenação começa no subterrâneo: um vagão de metro é criado com projeções no fundo do cenário, com os atores interagindo com ele. Mantendo o recurso da projeção, a peça chega às ruas da cidade, onde se desenvolvem estórias periféricas até o surgimento de um prédio em cena, edifício Dropsie.
A partir daí, se apresentam três estórias chaves da peça, permeadas por outros personagens que vão se desenvolvendo ao mesmo tempo, dando a idéia de vida urbana onde tudo acontece ao mesmo tempo, sem que o mundo pare pra assistir uma determinada ação.
Um homem que vive sua vida alheio a tudo que acontece a sua volta, até se deparar com uma situação que não pode ignorar. Um músico que é desencorajado e abandona seu instrumento por uma vida de trabalho braçal. E um menino que tem seu dom amputado por convenções sociais e passa toda uma vida tolhido de si mesmo. Estes são os personagem que levam a trama passada por gerações no edifício Dropsie.
A peça nos traz a reflexão sobre as pessoas invisíveis que passam por nós a todo instante, e os dramas que habitam entre as sombras dos arranha-céus.


domingo, 19 de outubro de 2008

Gláuber Rocha e o Cinema Novo



"Liberdade de invenção, liberdade de expressão. Porque Cinema Novo não é uma 'escola', não tem um 'estilo'. Pelo contrário, o estilo unânime, o modismo de um movimento torna-o retrógado, burguês, lúdico, porque se manifesta apenas ou com mais intensidade na área formal-artesanal da sua expressão. No Cinema Novo as expressões são, e têm que ser necessariamente, pessoais, porque fruto de experiências e pesquisas inéditas e inventivas, porque fruto de uma manifestação original. Nunca a gente pensou que o cinema devia ser uma profissão burguesa, uma arte de consumo ou uma indústria de sucesso. Era apenas um meio de comunicação mais avançado que os intelectuais de esquerda usavam porque todo mundo que fazia Cinema Novo queria naturalmente militância entre as práticas intelectuais, quer dizer, um grupo que deu um salto qualitativo porque ia em direção a um meio novo." (Glauber Rocha)

Reunião marcada para 21hs. Uma longa e proveitosa noite começava, onde debateríamos e conheceríamos mais do Cinema Novo do Glauber Rocha e veríamos o seu filme A Idade da Terra.

Glauber Rocha sempre prezou o compromisso (assumido até o fim de sua vida) no que se refere ao estudo do Brasil, suas convicções nacionalistas, tendo sido muito inspirado pela obra de José Lins do Rego que, na sua compreensão, tinha sido o autor de uma obra que se destacava não apenas pelas suas qualidades artísticas, mas, igualmente, como um documento de grande valor sociológico.
Desde o início Glauber se transformaria no mentor e teórico dos objetivos de sua geração, consolidando idéias que ainda estavam dispersas, mas que convergiam para um ponto comum, ou seja, um projeto de renovação, qualidade estética e brasilidade. Filmar o Brasil com técnicas novas, que desnudassem a sua realidade mais profunda e dramática, aquela que costumava ser embelezada e maquiada para passatempo das elites. No Brasil e na américa Latina o cinema deveria ser "empenhado, didático , épico e revolucionário". Um cinema sem fronteiras, de língua e problemas comuns, que levasse todas as experiências no sentido de educar o espectador e analisar a realidade do país. A estratégia do Cinema Novo era a criação de "filmes baratos, explosivos, bárbaros, radicais, antinaturalistas e polêmicos".
Há um aspecto que logo ressalta quando passamos a estudar o comportamento dos integrantes do Cinema Novo: não os ligavam apenas interesses profissionais. Agiam com consciência de coletividade, exprimindo um sentimento de coesão que não é comum encontrar no campo da criação artística, normalmente fracionado por ciúmes, disputas, invejas e rivalidades. A filmografia de cada qual é marcada por preocupações convergentes, ressaltando o objetivo de usar o cinema para estudar a realidade brasileira, além de zelar pela qualidade estética da linguagem e colocar em segundo plano interesses comerciais.
Glauber foi, acima de tudo, um idealista preocupado com o destino do homem. Tudo nele era superlativo e plural. Era nele poderoso o impulso pelas nobres causas, como foi o de Castro Alves, seu modelo, pelo combate à escravidão. Mas, embora tocado por um sentimento de justiça que já se desvanecera nas brumas dos tempos, como o foi o idealismo do século XIX, ele era, fundamentalmente, um homem de sua época. Daí a sua plena inserção num projeto revolucionário. Se fosse um homem comum, é provável que houvesse ingressado na guerrilha para combater a ditadura militar, obcecado pelo mesmo desejo de transformação que imolou Guevara. Como era um artista - e um artista do século XX - muniu-se de uma câmera de cinema (arte característica de sua época, mais que todas) para vergastar e combater a iniquidade social.
O filme A Idade da Terra impressiona e nos absorve totalmente. É extremamente atual, embora seja dos idos de 80, artístico, teatral e, sobretudo, crítico. Sua fotografia é de grande beleza. Quando lançado em Veneza, em 1980, o crítico Louis Marcorelles afirmou no "le Monde" que o filme não se enquadrava "em nenhuma das categorias conhecidas no cinema ocidental", representando um salto qualitativo conquistado pelo Terceiro Mundo. A mesma opinião era compartilhada pelo filho de Roberto Rossellini, o produtor Renzo Rossellini, que classificou o filme como "o maior desafio filosófico e formal que o Ocidente poderia receber no campo do cinema". O diretor Michelangelo Antonioni considerou o filme "uma lição de cinema moderno".

Sinopse do Autor: "O filme mostra um Cristo-Pescador, interpretado por Jece Valadão; um Cristo-Negro, interpretado por Antonio Pitanga; mostra o Cristo que é o conquistador português, dom Sebastião, interpretado por Tarcísio Meira; e mostra o Cristo Guerreiro-Ogum de Lampião, interpretado por Geraldo Del Rey. Quer dizer, os Quatro cavaleiros do Apocalipse que ressuscitam o Cristo no Terceiro Mundo, recontando o mito através dos quatro Evangelistas: Mateus, Marcos, Lucas e João, cuja identidade é revelada no filme quase como se fosse um Terceiro Testamento. E o filme assume um tom profético, realmente bíblico e religioso.
Trata-se de um filme que joga no futuro do Brasil, por meio da arte nova, como se fosse Villa-Lobos, Portinari, Di Cavalcanti ou Picasso. O filme oferece uma sinfonia de sons e imagens ou uma anti-sinfonia que coloca os problemas fundamentais de fundo. A colocação do filme é uma só: é o meu retrato junto ao retrato do Brasil. Esse filme estaria para o cinema talvez como um quadro de Picasso. Os críticos estão querento uma pintura acadêmica, quando já estou dando uma pintura do futuro. Na criação artística, o maior empecilho é o medo. Os autores que criaram grandes obras na América Latina venceram o medo para não sucumbir ao terrorismo do complexo de inferioridade. Eu, inclusive, rompi esse complexo no berro. Eu não tenho medo de criar, se tiver engenho e arte vou em frente. É necessário não ser babaca, pois a babaquice é o maior inimigo do artista.
Arnaldo Carrilho me disse uma vez diante das ruínas de Pompéia que Simon Bolicar subiu no Vesúvio e de lá meditou sobre a América Latina: daí partiu para sua ação política. Verdade ou mentira quero partir do vulcão. " (Glauber Rocha)

Muitas cenas se destacam nesse filme grandioso, de duas horas e meia, mas tão envolvente que nem sentimos este tempo passar. Quero aqui destacar duas delas:

  • O Cristo-Negro, de Antonio Pitanga, rodeado de operários e ao lado de um engradado de refrigerantes Coca-Cola (um símbolo capitalista), em uma cena em que, fazendo uma referência à passagem bíblica, brada que irá matar a sede de todos aqueles que têm sede, e começa abrir as garrafas do dito refrigerante e distribuí-las ao povo.
  • O Cristo Conquistador Português, de Tarcísio Meira, em plena bahia de Guanabara, mostrando um mar repleto de lixo e sujeira, brada repetidas vezes: "Isso é a cloaca do Universo! "

[Amanhecer de sábado, 06:00 da manhã. Final da reunião.]

Fontes: Livro Glauber Rocha-esse vulcão, de João Carlos Teixeira Gomes.