segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

ARTES SOB PRESSÃO

Dos estudos da nossa última reunião, no âmbito das ditaduras e das liberdades, trouxemos este texto, para reflexão e debate, acerca da arte e sua relação com a liberdade, bem como das liberdades individuais. Ele foi retirado do livro Artes sob Pressão, de Joost Simiers. O livro analisa as forças relevantes por trás dos processos de decisão em questões culturais de âmbito mundial, sob a influência da globalização econômica. O livro contém centenas de exemplos de experiências retiradas de diversos campos das artes e de todas as partes do mundo, relacionadas por uma sólida crítica teórica.


Artes: Um campo de batalhas

Somos tão obcecados com a liberdade do discurso no Ocidente, que não podemos compreender como outros povos podem ser levados a desrespeitar fundamentalmente o que lhes é mais sagrado. Enquanto esse preceito de liberdade sem quaisquer restrições permanecer inalterado, será difícil estabelecer um dialogo sobre como construir uma ponte entre as culturas (...).

Nossa Diversidade Criativa, o relatório da Unesco e da Comissão Mundial de Cultura e Desenvolvimento das Nações Unidas, problematiza este tema opondo liberdade cultural individual de um lado e coletiva de outro:

A maioria das liberdades referem-se à liberdade individual – liberdade de falar o que se pensa, de ir onde se quer, de adorar seus próprios deuses, de escrever o que se quer. A liberdade cultural, ao contrário, é uma liberdade coletiva. Refere-se ao direito de um grupo de pessoas de seguir ou adotar uma forma de liberdade de acordo com sua própria escolha. (PÉREZ DE CUÉLLAR, 1996, P.25)

No mundo ocidental, a crença dominante tem sido de que a liberdade individual é a única forma real de liberdade e devemos todos aceitar isso. O fato de poder existir (e existem) formas de liberdade mais valiosas, que podem ter conseqüências e efeitos contraditórios, parece incomum para a mente ocidental.
Um caso interessante sobre este tema foi levado à corte em Beirute. Um dos mais amados músicos e compositores do mundo árabe, Marcel Khalife, havia convertido em música um poema, “Ó Pai, sou eu, Youssef”, que termina com um verso do Alcorão. O juiz do Supremo de Beirute, um Sunni, indiciou Marcel por crime contra a religião dominante no país, o islamismo. O grande mufti, Muhammad Kabanech, explicou por que isso aconteceu:

Quando você inclui um instrumento musical para acompanhar o Alcorão, você ultrapassa o respeito devido à palavra de Deus na Terra. Existem regras que devem ser respeitadas. Este tema não tem nada a ver com liberdade. Um artista pode utilizar as palavras escritas por outros como deseja, mas não tem o direito de utilizar a palavra de Deus.

O juiz, entretanto, rejeitou todas as acusações: “O acusado cantou todos os versos do sagrado Alcorão respeitosamente. Portanto, ele não violou a santidade do Alcorão, nem encorajou outros a faze-lo”.

Existem muitos outros conflitos e contradições sociais. Nem todos influenciados por sentimentos religiosos conflitantes com a cultura."

Artes Sob Pressão
Joost Smiers

Nenhum comentário: