Ressaltamos a importância desta indicação, uma vez que ela contempla a Companhia como um todo, reafirmando nossa postura enquanto grupo e artística, destaques no festival.
Salve, Engrenagem!
"Sem forma revolucionária não há arte revolucionária" (Mayakovsky)
Salve, Engrenagem!
Em uma entrevista de 1978, há exatos 30 anos atrás, Elis Regina causa polêmica ao lançar este show e nós hoje percebemos como nada mudou.
A entrevista fala do processo de criação, surgido em uma experiência em um engarrafamento, da questão do respeito, da alienação, o momento político e as questões de impasse, falta de escolha, falta de espaço de ar, de confiança, de relaxo.
Nada mais atual, não é mesmo? E, nessa mesma entrevista, Elis afirma: "O novo! Querem tanto o novo. Mas que culpa eu tenho se nada de novo acontece neste país há quarenta anos? O Tom já disse: de novo mesmo, nesse tempo todo, só o Hollywood com filtro. Mais nada."
Transversal do tempo (1978)
O espetáculo era pretensioso. Elis (...) contou em entrevista publicada na revista Veja (...), que a idéia do show nasceu dentro de um táxi, no vale do Anhangabaú, durante uma manifestação estudantil. Na confusão, os carros não andavam. E ela lá, grávida, trancada dentro do táxi, esperando
Em novembro de 1977, Elis Regina estreia em Porto Alegre, no teatro Leopoldina, o show Transversal do Tempo. (...) Num roteiro desenvolvido em conjunto com Aldir Blanc e Mauricio Tapajós, a cantora conseguiu dar sua mensagem. A cantora assumiu o papel de repórter do seu tempo e abordou temas como o amor, a amizade, natureza, consciência social, exploração do ser humano, entre outros.
Os músicos assumiram o papel de operários (da música ou da vida real) tocando em meio às estruturas metálicas e placas de trânsito e vestindo macacões de trabalhadores.
(...) uma cena que causou polêmica na época. Elis canta dois versos da música Gente do Caetano Veloso em meio a um logo da Coca-Cola que dizia: Beba gente. O cantor e compositor não gostou do tratamento que foi dado à música. Porém, é preciso admitir que o momento é impagável. Elis com uma voz debochada canta: (...) “Gente é para brilhar e não para morrer de fome!” Deboche da canção ou uma denúncia da situação do músico no Brasil?
(...)
Vale lembrar que parte do show foi lançada em um disco ao vivo, porém havia planos de lançar um segundo disco com todo o repertório do espetáculo, o que não se concretizou. Ficou perdida numa transversal do tempo...
Veja – Como foi que sua experiência no engarrafamento se transformou num espetáculo?
ELIS – Eu tinha um contrato assinado com o Teatro Leopoldina em Porto Alegre. E, entre fazer um recital, um concerto simplesmente, preferi chamar algumas pessoas para dirigir, iluminar e coisas do tipo. Aí foram surgindo ideias. Aquele engarrafamento me deixou uma impressão muito forte, principalmente porque eu estava grávida e me senti indefesa naquela hora. Tinha helicópteros de um lado, cavalos de outro, gente correndo por todos os lados. E eu estava ali, sem ter escolhido isso. Estava fechada dentro de um táxi, com medo (...) A analogia veio depois, porque na hora você faz a fotografia, a ampliação vem depois. Quer dizer, assisti, ao vivo, a falta de respeito que está solta pelo ar. A falta de respeito existe para com o rio, a pessoa, a árvore, o passarinho. Esse desrespeito, na verdade, criou uma situação de impasse. Você sabe que o sinal de trânsito só vai ser aberto quando o guarda resolver abrir. Enquanto isso, você está dentro de um táxi e tudo acontecendo. Você imagina saídas, mas o sinal não abriu, o que podemos fazer? Ficamos sentados dentro de um táxi, numa transversal do tempo, esperando. Não te perguntam nada, não te pedem opinião.
Veja – Isso tudo está jogado no espetáculo?
ELIS – Está dentro do espetáculo. A angústia, a claustrofobia e também as várias fugas estão dentro do repertório. A alienação que pode vir através dos embalos de qualquer dia da semana. Na realidade, não é um espetáculo feito para dançar. Alerto que os bailantes se sentirão muito agredidos, portanto não me cobrem. Se quiserem assistir, já estou avisando antes. Também não estou dizendo que todo espetáculo deva ser assim, e também não quero dizer que todos os outros farei desta forma. Mas eu peço desculpas, usando as palavras de Vitor Martins: ´ Me perdoem, os dias eram assim ´. A partir do momento em que resolvi em que resolvi que minha arte deve ter ligação com a realidade em que vivo, mínima que seja, lamento imensamente a cara amarrada, a falta de espaço, a falta de amigos. Também não fui preparada para isso, é o que está me sendo dado para digerir. Gostaria que fosse diferente. Mas também, como a maioria das pessoas, estou esperando o guarda acionar a mudança de cor do sinal. Enquanto isso, eu canto um sinal de alerta
Veja – Esse sinal de alerta pretende exatamente o quê?
ELIS – Mostrar o momento político de impasse em que vivemos e o resultado dos momentos políticos que nos trouxeram a esse impasse. O partido político, o MDB (Movimento Democrático Brasileiro, partido que deu origem ao PMDB) – com o qual você conta para ser de oposição, arregla, e 41 saem da sala, se escondem debaixo do tapete ou no banheiro. Isso é uma porcaria quando você está às portas de 15 de novembro e tem que votar nesse partido de novo. Agora, vai votar no outro? Não, vota nesse e continua tudo na mesma. Esse é o impasse, a falta de escolha, a falta de espaço de ar, de confiança, de relaxo.
City news
“proibido sorrir” – Você fala daquela critica carioca que disse que meu show era um atentado ao bom humor, não é? Ela deve morar na Vieira Souto, em Ipanema, numa cobertura. Vai ver, de frente para o mar. Por isso quer sorrir tanto.
O novo – O novo! Querem tanto o novo. Mas que culpa eu tenho se nada de novo acontece neste país há quarenta anos? O Tom já disse: de novo mesmo, nesse tempo todo, só o Hollywood com filtro. Mais nada.
Crítica – Ué, mas existe crítica de espetáculo aqui?
Esquerda – Não existe nada mais reacionário do que esta que se diz esquerda e se ufana disso por aí.
Direitos dos músicos – Presido a ASSIM , uma entidade que vai brigar pelo direito dos músicos. Há muito dinheiro que está parado, que precisa vir às mãos de quem tem direito: os músicos.
Intérpretes – também somos espoliados. Eu e a Clara Nunes somos duas das que já fechamos com a ASSIM. Aguardamos as outras. E os outros;
Alienado – Quem? O Transversal do Tempo? Alienado? Fora da realidade de hoje? Estão dizendo isso, é? Agora pergunto: fora de realidade? Daquela do Rio Zona Sul, a de São Paulo dos jardins e morumbis? Mas essa mesmo não tem nada a ver.
1968 – Chamam meu show de velho, de atado a 1968? Que descoberta! Pergunto a eles: as coisas mudaram tanto, mesmo, de lá para cá que possa me desatar de 68? O Transversal do tempo, como transversal do tempo, inclusive se propõe a isso: ser jornalístico, destinado justamente a refrescar memórias entorpecidas.
Mais crítica – Só porque você está me perguntando, vou falando: o que me enche mesmo é dar duro para criar um espetáculo, gastar os tufos, rogar pelo Altíssimo para que ele entre e saia inteiro de certas mesas de Brasília e São Paulo, maquilar, me vestir, atuar uma sessão inteira só para que me digam se aquilo pode ser visto por público para, depois ouvir de dois ou três críticos que aquilo nãos erve, é velho, é isso ou aquilo (..) eu crio e eles falam do que crio. Comodíssima posição. Agora, não me peçam uma troca de posições, faz anos que optei pela incomodidade.
Iniciamos nossa pesquisa à Ditadura do Consumo.
"Dize-me quanto consomes e te direi quanto vales. Esta civilização não deixa as flores dormirem, nem as galinhas, nem as pessoas. Nas estufas, as flores estão expostas à luz contínua, para fazer com que cresçam mais rapidamente. Nas fábricas de ovos, a noite também está proibida para as galinhas. E as pessoas estão condenadas à insônia, pela ansiedade de comprar e pela angústia de pagar.
A produção em série, em escala gigantesca, impõe em todas partes suas pautas obrigatórias de consumo. Esta ditadura da uniformização obrigatória é mais devastadora do que qualquer ditadura de partido único: impõe, no mundo inteiro, um modo de vida que reproduz seres humanos como fotocópias do consumidor exemplar.
O consumidor exemplar é o homem quieto.
As massas consumidoras recebem ordens em um idioma universal: a publicidade conseguiu aquilo que o esperanto quis e não pôde. Qualquer um entende, em qualquer lugar, as mensagens que a televisão transmite. No último quarto de século, os gastos em propaganda dobraram no mundo todo. Graças a isso, as crianças pobres bebem cada vez mais Coca-Cola e cada vez menos leite e o tempo de lazer vai se tornando tempo de consumo obrigatório.
Tempo livre, tempo prisioneiro: as casas muito pobres não têm cama, mas têm televisão, e a televisão está com a palavra. Comprado em prestações, esse animalzinho é uma prova da vocação democrática do progresso: não escuta ninguém, mas fala para todos. Pobres e ricos conhecem, assim, as qualidades dos automóveis do último modelo, e pobres e ricos ficam sabendo das vantajosas taxas de juros que tal ou qual banco oferece. Os especialistas sabem transformar as mercadorias em mágicos conjuntos contra a solidão. As coisas possuem atributos humanos: acariciam, fazem companhia, compreendem, ajudam, o perfume te beija e o carro é o amigo que nunca falha. A cultura do consumo fez da solidão o mais lucrativo dos mercados.
Os donos do mundo usam o mundo como se fosse descartável: uma mercadoria de vida efêmera, que se esgota assim como se esgotam, pouco depois de nascer, as imagens disparadas pela metralhadora da televisão e as modas e os ídolos que a publicidade lança, sem pausa, no mercado. Mas, para qual outro mundo vamos nos mudar? Estamos todos obrigados a acreditar na historinha de que Deus vendeu o planeta para umas poucas empresas porque, estando de mau humor, decidiu privatizar o universo? A sociedade de consumo é uma armadilha para pegar bobos.
A injustiça social não é um erro por corrigir, nem um defeito por superar: é uma necessidade essencial. Não existe natureza capaz de alimentar um shopping center do tamanho do planeta." (Eduardo Galeano)
Vídeos assistidos pela Engrenagem, nesse processo:
COMPRE-ME: EU, VONTADE DE MORRER - Em uma confluência dos universos das artes, comunicação, tecnologia e política, surgem teorias e ações de ativistas influenciados pela cultura pós-moderna. Uma pergunta é comum entre esses outsiders: como resistir? Depoimentos de Antonio Negri, Naomi Klein, Peter Pál Pelbart, Fernando Solanas, Sílvio Mieli, Ccoletivo Temp, Coletivo Radioatividade, Ricardo Rosas (Mídia Tática), Movimento dos sem-teto. Direção, produção, edição e montagem: Pedro Bayeux, Colaboração: Flávio Soares, Leonardo Germani, Bruno Pozzi, Gustavo Nóbrega, Tiago Pariz, Fabio Pinc, Renato Stockler, Claudio Ribeiro, Julio Wainer, Vichê.
CALÇADA DA FOME - Sensível à palavra de ordem elaborada por Fernando Brant e Milton Nascimento nos anos 70, Cactos Intactos, neste curta-metragem de 5 minutos, premeditou precisamente ir onde o povo está. Com este propósito, o grupo não hesitou em submergir nas profundezas do inferno tupiniquim, onde campeiam, como flagelos, a miséria absoluta e a iniqüidade sádica. Os depoimentos pungentes colhidos junto a moradores de rua, párias e desvalidos em geral impressionam e surpreendem por sua pungente autenticidade. Reivindicar e protestar em nome dos excluídos sociais, vítimas da globalização imperialista é importante e imprescindível, mas escutar com atenção o que eles têm a dizer sobre a própria situação não deixa de ser também fundamental.
MANIPULAÇÃO DE MASSA - "A massa discute a manipulação da mídia?" O documentário premiado é um ensaio experimental sobre opiniões populares a respeito do poder de influência dos grandes meios de comunicação. A montagem, que deturpa ironicamente os depoimentos dos entrevistados, evidencia as possibilidades de se manipular informação, fazendo do próprio filme um exemplo de manipulação da mídia. Roteiro, edição e direção: Guilherme Reis, Direção de produção: João Paulo Azevedo, Equipe de produção: Ronaldo Jannotti, Manuela Camisasca, Thaís Torres, Edicarlos Pereira, Gerson e Lélio Franklin. Captação de som: Byron O'Neill e João Carvalho, Música: Rafael Nelvam, Gil Amâncio e Mateus Guerra, Direção de fotografia: Byron O'Neill, Gerson Pires e João Carvalho, Câmera: Byron O'Neill, Daniel Mendes, Gerson Pires, Gustavo Brandão, João Carvalho e Michel Brasil, Animação: Henrique Gomes - Adaptada da Vídeo-instalação de Daniel Mendes, Manipulação de fotografias: Daniel Hazan, Montagem: Guilherme Reis, Daniel Hazan e João Paulo Azevedo, Fotógrafa: Maria Fiúza, Fotografia still: Alessandro Ceci, Gustavo Brandão, Maria Fiúza e Rodrigo Ladislau
COMPRE-ME: EU, VONTADE DE MORRER (parte 1/3)
COMPRE-ME: EU, VONTADE DE MORRER (parte 2/3)
COMPRE-ME: EU, VONTADE DE MORRER (parte 3/3)
CALÇADA DA FOME
MANIPULAÇÃO DE MASSA
[Amanhecer de sábado, 06:00 da manhã. Final da reunião.]
Fontes: Livro Glauber Rocha-esse vulcão, de João Carlos Teixeira Gomes.