skip to main |
skip to sidebar
Nesse último final de semana, demos uma parada em nossos estudos e pesquisas sobre Bertold Brecht para fazermos nosso primeiro Sarau, um dia após a comemoração do Dia Mundial do Teatro.
Um sarau livre, onde cada um pôde mostrar um pouco do que faz, do que gosta, do que acredita.
Começamos com uma mini exposição de artes plasticas, com 10 réplicas expostas por todo o recinto de obras de Edigar Degas, Vincente Van Gogh, Henri Rousseau, Pablo Picasso, Gustav Klimt, Franz Marc, Juan Gris, Egon Schiele. As obras foram expostas cronologicamente e passamos por cada uma delas, analisando e conhecendo um pouco mais de cada artista e da obra em si. Depois, fizemos um pequeno exercício linkando às obras pequenos textos de autores como Chaplin, Tarkowski, Tenesse Williams, Gláuber Rocha, Goethe, Almodovar.
Em seguida, passamos por uma exposição de "fotos-flagrantes". Imagens do dia a dia feitas em diversos lugares. Imagens reais e nas quais continuamente esbarramos, mas muitas vezes sem percebê-las. A exposição pretendeu lançar um olhar incômodo sobre diversas situações e utilizou versos de Mayakovsky e Brecht para melhor ilustrá-las.
Foram diversos textos e poemas lidos, tanto dos própios membros da Engrenagem quanto de autores como Eduardo Galeano, Fernando Pessoa, Fernanda Young, Carlos Drummond de Andrade, Charles Chaplin, Zé da Luz. Também não faltou música e violão, de Secos e Molhados, Renato Russo, Roberto e Erasmo a Xangai e Chico Buarque.
Finalizando, criamos na hora uma instalação plástica, utilizando recorte e colagem, chamada "A forma das coisas". Demos forma aos nossos nomes, bem como à palavras escolhidas naquela hora, que tivessem a ver com nossa proposta e com a Engrenagem em si (Poesia, Teatro, Revolução, Criação, Estrutura e Loucos).
Foi um experimento ótimo, inspirador e que, além de estar carregado de emoção em diversos momentos, também provocou reflexões, que é nosso combustível essencial.
Mas as imagens falam mais que as palavras, por isso fica o convite para a visita ao nosso álbum do Picasa, bem ali, do lado direito da página, onde elas poderão ser melhor visualizadas! É so clicar e entrar, a casa é sua!
O Dia Mundial do Teatro, criado em 1961 pelo Instituto Internacional do Teatro, é celebrado todos o anos, a 27 de Março, pelos centros nacionais do Instituto Internacional do Teatro e pela comunidade teatral internacional. São organizadas numerosas manifestações teatrais nesta ocasião, sendo uma das mais importantes, a difusão de uma mensagem internacional, tradicionalmente redigida por uma personalidade do Teatro, de renome mundial, a convite do Instituto Internacional do Teatro.
O International Theatre Institute (ITI), uma organização não governamental, foi fundado em Praga no ano de 1948 pela UNESCO e pela comunidade internacional do teatro.
Mensagem Internacional por Augusto Boal
Todas as sociedades humanas são espetaculares no seu cotidiano, e produzem espetáculos em momentos especiais. São espetaculares como forma de organização social, e produzem espetáculos como este que vocês vieram ver.
Mesmo quando inconscientes, as relações humanas são estruturadas em forma teatral: o uso do espaço, a linguagem do corpo, a escolha das palavras e a modulação das vozes, o confronto de idéias e paixões, tudo que fazemos no palco fazemos sempre em nossas vidas: nós somos teatro!
Não só casamentos e funerais são espetáculos, mas também os rituais cotidianos que, por sua familiaridade, não nos chegam à consciência. Não só pompas, mas também o café da manhã e os bons-dias, tímidos namoros e grandes conflitos passionais, uma sessão do Senado ou uma reunião diplomática – tudo é teatro.
Uma das principais funções da nossa arte é tornar conscientes esses espetáculos da vida diária onde os atores são os próprios espectadores, o palco é a platéia e a platéia, palco. Somos todos artistas: fazendo teatro, aprendemos a ver aquilo que nos salta aos olhos, mas que somos incapazes de ver tão habituados estamos apenas a olhar. O que nos é familiar torna-se invisível: fazer teatro, ao contrário, ilumina o palco da nossa vida cotidiana.
Em Setembro do ano passado fomos surpreendidos por uma revelação teatral: nós, que pensávamos viver em um mundo seguro apesar das guerras, genocídios, hecatombes e torturas que aconteciam, sim, mas longe de nós em países distantes e selvagens, nós vivíamos seguros com nosso dinheiro guardado em um banco respeitável ou nas mãos de um honesto corretor da Bolsa - nós fomos informados de que esse dinheiro não existia, era virtual, feia ficção de alguns economistas que não eram ficção, nem eram seguros, nem respeitáveis. Tudo não passava de mau teatro com triste enredo, onde poucos ganhavam muito e muitos perdiam tudo. Políticos dos países ricos fecharam-se em reuniões secretas e de lá saíram com soluções mágicas. Nós, vítimas de suas decisões, continuamos espectadores sentados na última fila das galerias.
Vinte anos atrás, eu dirigi Fedra de Racine, no Rio de Janeiro. O cenário era pobre; no chão, peles de vaca; em volta, bambus. Antes de começar o espetáculo, eu dizia aos meus atores: - "Agora acabou a ficção que fazemos no dia-a-dia. Quando cruzarem esses bambus, lá no palco, nenhum de vocês tem o direito de mentir. Teatro é a Verdade Escondida".
Vendo o mundo além das aparências, vemos opressores e oprimidos em todas as sociedades, etnias, gêneros, classes e castas, vemos o mundo injusto e cruel. Temos a obrigação de inventar outro mundo porque sabemos que outro mundo é possível. Mas cabe a nós construí-lo com nossas mãos entrando em cena, no palco e na vida.
Assistam ao espetáculo que vai começar; depois, em suas casas com seus amigos, façam suas peças vocês mesmos e vejam o que jamais puderam ver: aquilo que salta aos olhos. Teatro não pode ser apenas um evento - é forma de vida!
Atores somos todos nós, e cidadão não é aquele que vive em sociedade: é aquele que a transforma!
Elogio da Dialética
A injustiça passeia pelas ruas com passos seguros.
Os dominadores se estabelecem por dez mil anos.
Só a força os garante.
Tudo ficará como está.
Nenhuma voz se levanta além da voz dos dominadores.
No mercado da exploração se diz em voz alta:
Agora acaba de começar:
E entre os oprimidos muitos dizem:
Não se realizará jamais o que queremos!
O que ainda vive não diga: jamais!
O seguro não é seguro.
Como está não ficará.
Quando os dominadores falarem falarão também os dominados.
Quem se atreve a dizer: jamais?
De quem depende a continuação desse domínio?
De quem depende a sua destruição?
Igualmente de nós.
Os caídos que se levantem!
Os que estão perdidos que lutem!
Quem reconhece a situação como pode calar-se?
Os vencidos de agora serão os vencedores de amanhã.
E o "hoje" nascerá do "jamais".
[B.Brecht]
A Engrenagem segue na sua proposta de estudo e pesquisas e, no momento, estamos mergulhados no mundo brechtiniano.
Bertold Brecht, um dos nossos esenciais, é um dos escritores fundamentais por ter revolucionado teórica e praticamente a dramaturgia e o espetáculo teatral, alterando de forma irreversível a função e o sentido social do teatro, utilizando a arte, concebida como resultado de um processo de criação coletiva, como um arma de conscientização e politização.
O pensamento de Brecht nunca é dogmático. Qualquer juízo crítico sobre sua obra é sempre relativo. Ele reescreveu tudo até morrer, nunca considerando um trabalho como acabado, nada como definitivo.Seu pensamento foi sempre ágil, resultado de contradições e contraditório também, experimental, circunstancial e sempre profundamente dialético. Tem como fundamento de sua criação seu pensamento político.
Toda a obra de Brecht virá a ser a luta contra o capitalismo e contra o imperialismo. A reflexão sobre a situação do homem num mundo dividio em classes. Filho de um industrial, nascido para ocupar seu lugar na produção ao lado dos patrões, Brecth não fabricará papel mas, sim, palavras para preencher papéis. Palavras que serão armas contra sua própia classe, tendo optado pelo lado dos operários, tornando-se o mais expressivo poeta revolucionário deste século.
Para Eric Bentley, Brecht é a corporização do espírito de oposição, resistência e contradição, levado ao extremo da contrariedade, do pensamento combativo. Sua vida repousa na alegria da luta, no deleite da oposição. E isto o transforma no intelectual marxista da sociedade capitalista: existe dentro dela para dinamitá-la!
Muito ainda temos que mostrar e falar sobre Bertold Brecht e, principalmente, seu importante Teatro Épico. Aguardem as próximas postagens! Por agora, deixamos essa pequena introdução e, mais ainda, o instigante texto que segue abaixo, que nos faz pensar em nosso papel enquanto artista, nossa capacidade e postura criativa e artística perante as engrenagens do mundo das artes e até que ponto podemos [ou não] nos tornarmos mercadoria dentro do esquema capitalista da sociedade.
"Brecht desenvolve de forma mais ampla sua concepção de arte no mundo capitalista. Afirma que há muito tempo as grandes engrenagens do teatro, da ópera ou do jornalismo orientam e decidem tudo a respeito das criações artísticas. Os intelectuais e artistas são ingênuos que ainda mantêm a ilusão de que todo o comércio da engrenagem pretende a valorização de seus trabalhos, quando acontece o contrário: convencidos de possuir o que realmente os possui, defendem uma engrenagem que não controlam mais; um aparelho que não existe mais, como acreditam, a serviço dos criadores, mas que, pelo contrário, voltou-se contra eles e portanto contra sua própria criação (na medida em que isto apresenta tendências específicas e novas, não conformes ou mesmo opostas à engrenagem). O trabalho dos criadores não é mais que um trabalho de fornecedores e assite-se ao nascimento de uma noção de valor cujo fundamento é a capacidade da exploração comercial. Assim, reforma-se a obra de arte para adaptá-la à engrenagem, nunca o contrário. E, acentua Brecht, a engrenagem é determinada pela ordem social: portanto só é bom o que contribui para a manutenção da ordem estabelecida. Uma inovação que não ameace a função social da engrenagem da burguesia decadente (esta função é ser um divertimento vesperal) pode ser acolhida, pois a sociedade absorve, por meio da engrenagem, apenas o que necessita para sua perpetuação. Portanto, só é permitida uma "inovação" capaz de levar uma renovação. Nunca a uma transformação da sociedade - seja ela boa ou má. Mas Brecht não faz esta denúncia apenas para situar a localização do artista e do intelectual dentro do esquema social. Afirma mesmo que a liberdade de criação limitada é um fato progressista, o indivíduo encontra-se cada vez mais implicado nos acontecimentos que transformam o mundo, não pode apenas se exprimir, é solicitado a resolver problemas de ordem geral e é colocado em condições de fazê-lo. Mas o vício, afirma, reside no fato das engrenagens não pertenceram à comunidade: os meios de produção não são ainda a propriedade daqueles que produzem, de modo que o trabalho tem a característica de uma verdadeira mercadoria, submetida às leis do mercado."
[Fonte: PEIXOTO, Fernando: Brecht - vida e obra] Ah! E não deixem de conferir no final da página a barra de vídeos selecionados sobre Brecht, seus poemas e obra!!!!!