quarta-feira, 29 de outubro de 2008

VIII Festival de Esquetes ELBE DE HOLANDA



Apresento-lhes o primeiro trabalho da Cia Engrenagem de Arte Revolucionária. O Tudo aquilo que eu esperava ainda não é o resultado de uma pesquisa específica de linguagem, mas é resultante do nosso esforço coletivo!!

Dia 01/11/08 às 20:00hs, na Casa de Cultura Elbe de Holanda, Rua Eng. Rozauro Zambrano, 302 – Jardim Guanabara - Ilha do Governador – Rio de Janeiro – RJ

Dá-lhe ENGRENAGEM!!!

Eduardo Galeano


"Na parede de um botequim de Madri, um cartaz avisa: Proibido cantar. Na parede do aeroporto do Rio de Janeiro, um aviso informa: È proibido brincar com os carrinhos porta-bagagem. Ou seja, ainda existe gente que canta, ainda existe gente que brinca"


O jornalista e escritor Eduardo Hugbes Galeano nasceu no inverno de 1940, em Montevidéu. Aos 14 anos já publicava desenhos que assinava como “Gius”. Galeano fez de tudo: foi mensageiro, desenhista, peão em fábrica de inseticida, cobrador, taquígrafo, caixa de banco, diagramador, editor e peregrino pelos caminhos da América. Em Montevidéu dirigiu um semanário chamado Marcha e foi diretor do jornal Época. Preso pelo regime militar uruguaio, em 1973 começa seu exílio na Espanha. Transfere-se para a Argentina, onde funda a revista Crisis com Julio Cortázar, escritor e jornalista argentino. Em 1985, após 12 anos de exílio, Galeano retorna ao Uruguai. Para ele, as lembranças dos regimes militares ainda lhe causam muita dor. Quando ocorreu o golpe na Argentina, em março de 1976, vários de seus companheiros desapareceram e outros foram torturados. Nessa época, o escritor de Veias Abertas corria risco de vida, pois seu nome fazia parte de uma lista de procurados. Em uma entrevista, o escritor disse que a única maneira para a brutalidade das ditaduras não se repetir é manter a história viva.

A história é um profeta com olhar voltado para trás: pelo que foi, e contra o que foi, anuncia o que será. Essa frase é do escritor uruguaio Eduardo Galeano e foi publicada na contracapa do livro As Veias Abertas da América Latina, que está completando 30 anos de seu lançamento em 1971. Em uma época que a maioria dos países latinos convivia com as mordaças das ditaduras militares, Galeano rompeu o silêncio e denunciou os instrumentos de espoliação, as injustiças à sombra do poder e o saque ao continente. Fatos, como ele mesmo diz, que insistem em se apresentar como obra do destino e do acaso. Aos 60 anos, idolatrado pelas esquerdas, Galeano tornou-se símbolo de resistência à exploração dos povos oprimidos do continente latino-americano. Sua voz não cala e suas palavras continuam encantando leitores de todos os continentes. Durante a abertura do Fórum Social Mundial, a atriz Celina Alcântara subiu ao palco de seios à mostra e, cercada por desempregados e trabalhadores sem-terra, recitou uma crônica escrita por Galeano em 1998. A interpretação do texto O Direito ao Delírio, que fala de um século 21 sem pobres, guerras e meninos de rua, emocionou a platéia.

A capacidade que Galeano tem de encantar e de transmitir seus sonhos e a teimosia em querer transformar o mundo levaram mais de 700 pessoas a disputar um lugar no Teatro da PUC, durante a sua palestra no FSM. Todos queriam ver o autor com quem compartilham planos, frustrações e esperanças. Em sua primeira frase o escritor já arrancou aplausos: “Se podemos organizar toda essa gente aqui, somos mesmo capazes de tudo”, referindo-se ao princípio de tumulto causado pela superlotação do auditório. Em seguida, leu uma série de crônicas suas, onde retrata as dores e os projetos da humanidade e a barbárie dos tempos que instituíram “o medo global”.

Questionado sobre as perspectivas para América Latina, passados 30 anos da publicação de Veias Abertas, Eduardo Galeano diz que a América Latina empobreceu, perdeu sua soberania e diminuiu sua autonomia, ao mesmo tempo em que o sistema neoliberal global foi se articulando e tornando-se unânime, alimentando-se das desigualdades, que são cada vez maiores. Por isso, a América Latina tem um imenso desafio e vamos ver como reage frente a ele. Poderá ser uma cópia do mundo desenvolvido e dos países que nos governam ou poderá seguir o seu próprio caminho, o caminho das suas próprias esperanças. Esse é o desafio que está diante de nós. E acredito que o melhor que temos no mundo é a quantidade de mundos existentes, as diferentes culturas e as mais variadas formas das coletividades se expressarem. Ou nos afirmamos com nossos próprios ideais ou vamos nos converter em uma sociedade que aceita a história oficial, nos tornando uma caricatura dos países ricos, que roubam nossa memória e as nossas riquezas. Diz que a situação da América Latina hoje piorou em relação aos 30 anos que se passaram, desde a publicação de Veias Abertas. Versão.

Com relação ao neoliberalismo e a globalização, Galeano afirma: "O sistema de poder vende a si mesmo como eterno, o amanhã é outro nome de hoje, e nos convida à aceitação como modo de vida. Estamos paralisados por este sistema de poder. É assim porque assim será e nós estamos nos acostumando a esta eternidade e aceitamos tudo como se fosse inevitável. Estamos cada vez mais prisioneiros do dinheiro. A globalização, para além do comércio internacional, nos impõe uma cultura universal que se apóia no medo. Esse é um mundo paralisado pelo medo que impede de nos mover, até de tomar medidas que eventualmente não sejam aceitas pelo FMI. Nunca o mundo havia sido tão desigual nas oportunidades que oferece e tão igual nos costumes que impõe. O símbolo perfeito é o McDonald’s. Aconteceu a “mcdonaldização” do mundo. De certa forma, os pobres comem melhor que os ricos, que aceitam essa comida de plástico."

Com relação ao genocídio na América Latina, Galeano afirma: "Os países que mais armas vendem ao mundo são os mesmos países que têm a seu cargo a paz mundial. Felizmente para eles, a ameaça da paz está se debilitando e o mercado de guerra se recupera e oferece promissora perspectiva de rendas e de carnicerias ao sul do mundo. Este é um mundo criminalmente organizado. Mata-se muito à bala, vende-se cada vez mais armas. De acordo com números de organismos internacionais é possível afirmar que se o mundo dedicasse 12 dias, apenas 12 dias, do dinheiro que gasta em armamentos para ajudar as crianças pobres do planeta, estas crianças poderiam ter escola, assistência médica e comida. Portanto não se mata apenas à bala. Mata-se também de fome e de doenças curáveis. E não se matam só os corpos, mas também a alma. Há corpos a andar por aí sem vida. E matam o ar, a água e a terra. E matam o mundo."

[Fonte: República das Letras
Bibliografia: Los días siguientes (1963), China (1964), Guatemala (1967), Reportagens (1967), Los fantasmas del día del léon y otros relatos (1967), Su majestad el fútbol (1968), As veias abertas da América Latina (1971), Siete imágenes de Bolivia (1971),Violencía y enajenación (1971), Crónicas latinoamericanas (1972), Vagamundo (1973), La cancion de nosotros (1975), Conversaciones con Raimón (1977), Días y noches de amor y de guerra (1978), La piedra arde (1980), Voces de nuestro tiempo (1981), Memória do fogo (1982-1986), Aventuras de los jóvenes dioses (1984), Ventana sobre Sandino (1985), Contraseña (1985), El descubrimiento de América que todavía no fue y otros escritos (1986), El tigre azul y otros artículos (1988), Entrevistas y artículos (1962-1987), O Livro dos Abraços (1989), Nós Dizemos Não (1989), América Latina para entenderte mejor (1990), Palabras: antología personal (1990), An Uncertain Grace com Fred Ritchin, Ser como ellos y otros artículos (1992), Amares (1993), Las palabas andantes (1993), úselo y tírelo (1994),O futebol de sol a sombra (1995), Bocas del Tiempo (2004), O Teatro do Bem e do Mal (2002)].

Os textos de Eduardo Galeano


Alguns dos textos de Eduardo Galeano, lidos na última reunião pelas peças da Engrenagem! Fizemos uma dinâmica, onde cada um recebeu um texto a ser lido. Em seguida, um único texto foi dividido em sete partes, tendo suas partes numeradas e dobradas com seus respectivos números. Fizemos o sorteio e os textos foram lidos, de acordo com a sequência que cada um recebeu.

A acrobata (Para o Engrenagem)
Luz Marina Acosta era menininha quando descobriu o circo Firuliche. O circo Firuliche emergiu certa noite, mágico barco de luzes, das profundidades do Lago da Nicarágua. Eram clarins guerreiros as cometas de papelão dos palhaços e bandeiras altas os farrapos que ondulavam anunciando a maior festa do mundo. A lona estava toda cheia de remendos, e também os leões, aposentados leões; mas a lona era um castelo e os leões, os reis da selva. E uma senhora rechonchuda, brilhante de lantejoulas, era a rainha dos céus, balançando nos trapézios a um metro do chão.
Então, Luz Marina decidiu tornar-se acrobata. E saltou de verdade, lá do alto, e em sua primeira acrobacia, aos seis anos de idade, quebrou as costelas.
E assim foi, depois, a vida. Na guerra, longa guerra contra a ditadura de Somoza, e nos amores: sempre voando, sempre quebrando as costelas.
Porque quem entra no circo Firuliche não sai jamais.


Celebração da coragem (Rodrigo Abrahão)
Sérgio Vuskovic me conta os últimos dias de José Tohá. — Suicidou-se — disse o general Pinochet —. O governo não pode garantir a imortalidade de ninguém — escreveu um jornalista da imprensa oficial.
— Estava magro por causa dos nervos — declarou o general Leigh.
Os generais chilenos odiavam-no. Tohá tinha sido ministro da Defesa no governo Allende, e conhecia os seus segredos.
Estava num campo de concentração, na ilha de Dawson, ao sul do sul.
Os prisioneiros estavam condenados a trabalhos forçados. Debaixo da chuva, metidos no barro ou na neve, os prisioneiros carregavam pedras, erguiam muros, colocavam encanamentos, pregavam postes e estendiam cercas de arame farpado.
Tohá, que tinha um metro e noventa de altura, estava pesando cinqüenta quilos. Nos interrogatórios, desmaiava. Era interrogado sentado numa cadeira, com os olhos vendados. Quando despertava, não tinha forças para falar, mas sussurrava:
— Escute, oficial. Sussurrava:
— Viva os pobres do mundo.
Estava há algum tempo tombado na barraca, quando um dia levantou-se. Foi o último dia em que se levantou.
Fazia muito frio, como sempre, mas havia sol. Alguém conseguiu café bem quente para ele e o negro Jorquera assoviou para ele um tango de Gardel, um daqueles velhos tangos dos quais ele tanto gostava.
As pernas tremiam, e a cada passo os joelhos se dobravam, mas Tohá dançou aquele tango. Dançou-o com uma vassoura, magra como ele, ele e a vassoura, ele encostando o cabo da vassoura em sua cara de fidalgo cavalheiro, os olhinhos fechados, até que numa volta caiu ao chão e já não conseguiu mais levantar. Nunca mais foi visto.

A alienação (Rodrigo Gondim)
Em meus anos moços, fui caixa de banco. Recordo, entre os clientes, um fabricante de camisas. O gerente do banco renovava suas promissórias só por piedade. O pobre camiseiro vivia em perpétua soçobra. Suas camisas não eram ruins, mas ninguém as comprava.
Certa noite, o camiseiro foi visitado por um anjo. Ao amanhecer, quando despertou, estava iluminado. Levantou-se de um salto.
A primeira coisa que fez foi trocar o nome de sua empresa, que passou a se chamar Uruguai Sociedade Anônima, patriótico nome cuja sigla é U. S. A. A segunda coisa que fez foi pregar nos colarinhos de suas camisas uma etiqueta que dizia, e não mentia: Made in U. S. A. A terceira coisa que fez foi vender camisas feito louco. E a quarta coisa que fez foi pagar o que devia e ganhar muito dinheiro.


A função da arte (Matheus Toledo)
Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.
Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:
— Me ajuda a olhar!

Mapa-múndi / A fome (Jonas de Sá)

Um sistema de desvinculo: Boi sozinho se lambe melhor.., O próximo, o outro, não é seu irmão, nem seu amante. O outro é um competidor, um inimigo, um obstáculo a ser vencido ou uma coisa a ser usada. O sistema, que não dá de comer, tampouco dá de amar: condena muitos à fome de pão e muitos mais à fome de abraços.

O sistema:
Com uma das mãos rouba o que com a outra empresta.
Suas vítimas:
Quanto mais pagam, mais devem.
Quanto mais recebem, menos têm.
Quanto mais vendem, menos compram.

No Sul, a repressão. Ao Norte, a depressão.
Não são poucos os intelectuais do Norte que se casam com as revoluções do Sul só pelo prazer de ficarem viúvos. Prestigiosamente choram, choram a cântaros, choram mares, a morte de cada ilusão; e nunca demoram muito para descobrir que o socialismo é o caminho mais longo para chegar do capitalismo ao capitalismo.
A moda do Norte, moda universal, celebra a arte neutra e aplaude a víbora que morde a própria cauda e acha que é saborosa. A cultura e a política se converteram em artigos de consumo. Os presidentes são eleitos pela televisão, como os sabonetes, e os poetas cumprem uma função decorativa. Não há maior magia que a magia do mercado, nem heróis mais heróis que os banqueiros.
A democracia é um luxo do Norte. Ao Sul é permitido o espetáculo, que não é negado a ninguém. E ninguém se incomoda muito, afinal, que a política seja democrática, desde que a economia não o seja. Quando as cortinas se fecham no palco, uma vez que os votos foram depositados nas urnas, a realidade impõe a lei do mais forte, que a lei do dinheiro. Assim determina a ordem natural das coisas. No Sul do mundo, ensina o sistema, a violência e fome não pertencem à história, mas à natureza, e a justiça liberdade foram condenadas a odiar-se entre si.


A dieta (Carlos Aleixo)
Sarah Tarler Bergholz era muito baixinha. Não precisava nem sentar para que seus netos penteassem seus cabelos, que caiam em caracóis da sua cara simpática até a altura do umbigo.
Sarah estava tão gorda que já não podia respirar. Num hospital de Chicago, o médico disse a ela o que era evidente: para recuperar a proporção entre estatura e voluma, deveria fazer uma dieta rigorosa e eliminar as gorduras.
A voz de Sarah era de seda. Suas mais enérgicas afirmações pareciam confidências. Falando como que em segredo, olhou fico para o médico e disse:
- Eu não tenho certeza se a vida vale a pena sem salame.
Morreu abraçada à sua perdição, no ano seguinte. O coração falhou. Para a ciência era um caso claro; mas jamais se saberá se o coração estava farto de tanto salame, ou exausto de tanto se dar.
(Bocas do tempo)

O diagnóstico e a terapêutica / A pequena morte (Cristina Froment)
O amor é uma das doenças mais bravas e contagiosas. Qualquer um reconhece os doentes dessa doença. Fundas olheiras delatam que jamais dormimos, despertos noite após noite pelos abraços, ou pela ausência de abraços, e padecemos febres devastadoras e sentimos uma irresistível necessidade de dizer estupidezes. O amor pode ser provocado deixando cair um punhadinho de pó de me ame, como por descuido, no café ou na sopa ou na bebida. Pode ser provocado, mas não pode impedir. Não o impede nem a água benta, nem o pó de hóstia; tampouco o dente de alho, que nesse caso não serve para nada. O amor é surdo frente ao Verbo divino e ao esconjuro das bruxas. Não há decreto de governo que possa com ele, nem poção capaz de evitá-lo, embora as vivandeiras apregoem, nos mercados, infalíveis beberagens com garantia e tudo.
Não nos provoca riso o amor quando chega ao mais profundo de sua viagem, ao mais alto de seu vôo: no mais profundo, no mais alto, nos arranca gemidos e suspiros, vozes de dor, embora seja dor jubilosa, e pensando bem não há nada de estranho nisso, porque nascer é uma alegria que dói. Pequena morte, chamam na França a culminação do abraço, que ao quebrar-nos faz por juntar-nos, e perdendo-nos faz por nos encontrar e acabando conosco nos principia. Pequena morte, dizem; mas grande, muito grande haverá de ser, se ao nos matar nos nasce.


Crônica da cidade de Nova Iorque (Daniel Carrarini)
É madrugada e estou longe do hotel, bem ao sul da ilha de Manhattan. Tomo um táxi. Digo aonde vou em perfeito inglês, talvez ditado pelo fantasma de meu tataravô de Liverpool. O chofer me responde em perfeito castelhano de Guayaquil.
Começamos a rodar, e o chofer me conta a sua vida. Dispara a falar, e não pára. Fala sem olhar para mim, com os olhos grudados no rio de luzes dos automóveis na avenida. Conta dos assaltos que sofreu, dás vezes em que quiseram matá-lo, da loucura do trânsito nesta cidade de Nova Iorque, e fala do sufoco, do compre, compre, use, jogue fora, seja comprado, seja usado, seja jogado, e aqui o negócio é abrir caminho na porrada, na base do esmague ou será esmagado, passam por cima de você, e ele está nesta desde que era garoto, desse jeito, desde que era um garoto recém-chegado do Equador — e conta que agora foi abandonado pela mulher.
A mulher foi-se embora depois de doze anos de casamento. Não é culpa dela, diz. Entro e tchau, diz. Ela nunca gozou, diz.
Diz que a culpa é da próstata.



1 Um grupo de extraterrestres visitou recentemente nosso planeta. Eles queriam nos conhecer, por mera curiosidade ou sabe-se lá com que ocultas intenções.Os extraterrestres começaram por onde deviam começar. Iniciaram a expedição estudando o país que é o número um em tudo, número um até nas linhas telefônicas internacionais: o poder obedecido, o paraíso invejado, o modelo que o mundo inteiro imita. Começaram por ali, tratando de entender o manda-chuva para depois entender todos os outros.Chegaram em tempo de eleições. Os cidadãos acabavam de votar e o prolongado acontecimento havia mantido o mundo todo em suspenso.
A delegação extraterrestre foi recebida pelo presidente que saía. A entrevista teve lugar no Salão Oval da Casa Branca, reservado exclusivamente aos visitantes do espaço sideral, para evitar escândalos. O homem que concluía seu mandato respondeu às perguntas sorrindo.

2 Os extraterrestres queriam saber se no país vigorava um sistema de partido único, pois tinham ouvido na tevê apenas dois candidatos e os dois diziam a mesma coisa.E tinham também outras inquietudes:Por que demoraram mais de um mês para contar os votos? Aceitariam os senhores a nossa ajuda para superar este atraso tecnológico? Por que sempre vota apenas a metade da população adulta? Por que a outra metade nunca se dá a esse trabalho?


3 Por que ganha aquele que chega em segundo lugar? Por que perde o candidato que tem 328.696 votos de vantagem? A democracia não é o governo da maioria?E outro enigma os preocupava: por que os outros países aceitam que este país lhes tome a lição de democracia, dite-lhes normas e lhes vigie as eleições? As respostas os deixaram ainda mais perplexos.Mas continuaram perguntando. Aos geógrafos: por que se chama América este país que é um dos muitos países do continente americano?Aos dirigentes esportivos: por que se chama Campeonato Mundial ("World Series") o torneio nacional de beisebol?

4 Aos chefes militares: por que o Ministério da Guerra se chama Secretaria da Defesa, num país que nunca foi invadido por ninguém?Aos sociólogos: por que uma sociedade tão livre tem o maior número de presidiários do mundo?Aos psicólogos: por que uma sociedade tão sã engole a metade dos psicofármacos que o planeta fabrica?Aos dietistas: por que tem o maior número de obesos o país que dita o cardápio dos demais países?


5 Se os extraterrestres fossem simples terrestres, esta absurda perguntalhada teria acabado mal. No melhor dos casos, teriam recebido um portaço no nariz. Toda tolerância tem limite. Mas eles seguiram curioseando, a salvo de qualquer suspeita de impertinência, má-educação ou segundas intenções. E perguntaram aos estrategistas da política externa: se os senhores têm, aqui pertinho, uma ilha onde estão à vista os horrores do inferno comunista, por que não organizam excursões ao invés de proibir as viagens?E aos signatários do tratado de livre comércio: se agora está aberta a fronteira com o México, por que morre mais de um mexicano por dia querendo cruzá-la? E aos especialistas em direitos trabalhistas: por que MacDonald's e Wal-Mart proíbem os sindicatos, aqui e em todos os países onde operam?


6 E aos economistas: se a economia duplicou nos últimos vinte anos, por que a maioria dos trabalhadores ganha menos do que antes e trabalha mais horas?Ninguém negava resposta àquelas figurinhas, que persistiam em seus disparates. E perguntaram aos responsáveis pela saúde pública: por que proíbem que as pessoas fumem, enquanto fuma livremente os automóveis e as fábricas?E ao general que dirige a guerra contra as drogas: por que as prisões estão cheias de drogadinhos e vazias de banqueiros lavadores de narcodólares?

7 E aos diretores do Fundo Monetário e do Banco Mundial: se este país tem a maior dívida externa do planeta, e deve mais do que todos os outros países juntos, por que os senhores não o obrigam a cortar gastos públicos e eliminar seus subsídios?E aos cientistas políticos: por que os que aqui governam falam sempre de paz, enquanto este país vende a metade das armas de todas as guerras? E aos ambientalistas: por que os que aqui governam falam sempre no futuro do mundo, enquanto este país gera a maior parte da contaminação que está acabando com o futuro do mundo?Quanto mais explicações recebiam, menos entendiam. Mas durou pouco a expedição. Os turistas se deram por vencidos.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

PESSOAS INVISÍVEIS - ARMAZÉM CIA DE TEATRO


"O que se vê no palco é o mundo a nossa volta e o mundo dentro de nós"


Seguindo a proposta da CIA Engrenagem de estudar o aspecto político-social, mas também o aspecto humano da sociedade contemporânea, esta semana assistimos a peça PESSOAS INVISÍVEIS, da Armazém Companhia de Teatro.
A peça é baseada nos quadrinhos de Will Eisner, um dos principais artistas do século XX nesta área. A obra de Eisner se caracteriza por explorar os efeitos da vida urbana nas pessoas que vivem em grandes cidades, e transformar a cidade e seus elementos nos verdadeiros protagonistas de suas estórias.
Estabelecendo uma linguagem própria, o grupo transpõe a linguagem dos quadrinhos para o espaço cênico. A encenação começa no subterrâneo: um vagão de metro é criado com projeções no fundo do cenário, com os atores interagindo com ele. Mantendo o recurso da projeção, a peça chega às ruas da cidade, onde se desenvolvem estórias periféricas até o surgimento de um prédio em cena, edifício Dropsie.
A partir daí, se apresentam três estórias chaves da peça, permeadas por outros personagens que vão se desenvolvendo ao mesmo tempo, dando a idéia de vida urbana onde tudo acontece ao mesmo tempo, sem que o mundo pare pra assistir uma determinada ação.
Um homem que vive sua vida alheio a tudo que acontece a sua volta, até se deparar com uma situação que não pode ignorar. Um músico que é desencorajado e abandona seu instrumento por uma vida de trabalho braçal. E um menino que tem seu dom amputado por convenções sociais e passa toda uma vida tolhido de si mesmo. Estes são os personagem que levam a trama passada por gerações no edifício Dropsie.
A peça nos traz a reflexão sobre as pessoas invisíveis que passam por nós a todo instante, e os dramas que habitam entre as sombras dos arranha-céus.


domingo, 19 de outubro de 2008

Gláuber Rocha e o Cinema Novo



"Liberdade de invenção, liberdade de expressão. Porque Cinema Novo não é uma 'escola', não tem um 'estilo'. Pelo contrário, o estilo unânime, o modismo de um movimento torna-o retrógado, burguês, lúdico, porque se manifesta apenas ou com mais intensidade na área formal-artesanal da sua expressão. No Cinema Novo as expressões são, e têm que ser necessariamente, pessoais, porque fruto de experiências e pesquisas inéditas e inventivas, porque fruto de uma manifestação original. Nunca a gente pensou que o cinema devia ser uma profissão burguesa, uma arte de consumo ou uma indústria de sucesso. Era apenas um meio de comunicação mais avançado que os intelectuais de esquerda usavam porque todo mundo que fazia Cinema Novo queria naturalmente militância entre as práticas intelectuais, quer dizer, um grupo que deu um salto qualitativo porque ia em direção a um meio novo." (Glauber Rocha)

Reunião marcada para 21hs. Uma longa e proveitosa noite começava, onde debateríamos e conheceríamos mais do Cinema Novo do Glauber Rocha e veríamos o seu filme A Idade da Terra.

Glauber Rocha sempre prezou o compromisso (assumido até o fim de sua vida) no que se refere ao estudo do Brasil, suas convicções nacionalistas, tendo sido muito inspirado pela obra de José Lins do Rego que, na sua compreensão, tinha sido o autor de uma obra que se destacava não apenas pelas suas qualidades artísticas, mas, igualmente, como um documento de grande valor sociológico.
Desde o início Glauber se transformaria no mentor e teórico dos objetivos de sua geração, consolidando idéias que ainda estavam dispersas, mas que convergiam para um ponto comum, ou seja, um projeto de renovação, qualidade estética e brasilidade. Filmar o Brasil com técnicas novas, que desnudassem a sua realidade mais profunda e dramática, aquela que costumava ser embelezada e maquiada para passatempo das elites. No Brasil e na américa Latina o cinema deveria ser "empenhado, didático , épico e revolucionário". Um cinema sem fronteiras, de língua e problemas comuns, que levasse todas as experiências no sentido de educar o espectador e analisar a realidade do país. A estratégia do Cinema Novo era a criação de "filmes baratos, explosivos, bárbaros, radicais, antinaturalistas e polêmicos".
Há um aspecto que logo ressalta quando passamos a estudar o comportamento dos integrantes do Cinema Novo: não os ligavam apenas interesses profissionais. Agiam com consciência de coletividade, exprimindo um sentimento de coesão que não é comum encontrar no campo da criação artística, normalmente fracionado por ciúmes, disputas, invejas e rivalidades. A filmografia de cada qual é marcada por preocupações convergentes, ressaltando o objetivo de usar o cinema para estudar a realidade brasileira, além de zelar pela qualidade estética da linguagem e colocar em segundo plano interesses comerciais.
Glauber foi, acima de tudo, um idealista preocupado com o destino do homem. Tudo nele era superlativo e plural. Era nele poderoso o impulso pelas nobres causas, como foi o de Castro Alves, seu modelo, pelo combate à escravidão. Mas, embora tocado por um sentimento de justiça que já se desvanecera nas brumas dos tempos, como o foi o idealismo do século XIX, ele era, fundamentalmente, um homem de sua época. Daí a sua plena inserção num projeto revolucionário. Se fosse um homem comum, é provável que houvesse ingressado na guerrilha para combater a ditadura militar, obcecado pelo mesmo desejo de transformação que imolou Guevara. Como era um artista - e um artista do século XX - muniu-se de uma câmera de cinema (arte característica de sua época, mais que todas) para vergastar e combater a iniquidade social.
O filme A Idade da Terra impressiona e nos absorve totalmente. É extremamente atual, embora seja dos idos de 80, artístico, teatral e, sobretudo, crítico. Sua fotografia é de grande beleza. Quando lançado em Veneza, em 1980, o crítico Louis Marcorelles afirmou no "le Monde" que o filme não se enquadrava "em nenhuma das categorias conhecidas no cinema ocidental", representando um salto qualitativo conquistado pelo Terceiro Mundo. A mesma opinião era compartilhada pelo filho de Roberto Rossellini, o produtor Renzo Rossellini, que classificou o filme como "o maior desafio filosófico e formal que o Ocidente poderia receber no campo do cinema". O diretor Michelangelo Antonioni considerou o filme "uma lição de cinema moderno".

Sinopse do Autor: "O filme mostra um Cristo-Pescador, interpretado por Jece Valadão; um Cristo-Negro, interpretado por Antonio Pitanga; mostra o Cristo que é o conquistador português, dom Sebastião, interpretado por Tarcísio Meira; e mostra o Cristo Guerreiro-Ogum de Lampião, interpretado por Geraldo Del Rey. Quer dizer, os Quatro cavaleiros do Apocalipse que ressuscitam o Cristo no Terceiro Mundo, recontando o mito através dos quatro Evangelistas: Mateus, Marcos, Lucas e João, cuja identidade é revelada no filme quase como se fosse um Terceiro Testamento. E o filme assume um tom profético, realmente bíblico e religioso.
Trata-se de um filme que joga no futuro do Brasil, por meio da arte nova, como se fosse Villa-Lobos, Portinari, Di Cavalcanti ou Picasso. O filme oferece uma sinfonia de sons e imagens ou uma anti-sinfonia que coloca os problemas fundamentais de fundo. A colocação do filme é uma só: é o meu retrato junto ao retrato do Brasil. Esse filme estaria para o cinema talvez como um quadro de Picasso. Os críticos estão querento uma pintura acadêmica, quando já estou dando uma pintura do futuro. Na criação artística, o maior empecilho é o medo. Os autores que criaram grandes obras na América Latina venceram o medo para não sucumbir ao terrorismo do complexo de inferioridade. Eu, inclusive, rompi esse complexo no berro. Eu não tenho medo de criar, se tiver engenho e arte vou em frente. É necessário não ser babaca, pois a babaquice é o maior inimigo do artista.
Arnaldo Carrilho me disse uma vez diante das ruínas de Pompéia que Simon Bolicar subiu no Vesúvio e de lá meditou sobre a América Latina: daí partiu para sua ação política. Verdade ou mentira quero partir do vulcão. " (Glauber Rocha)

Muitas cenas se destacam nesse filme grandioso, de duas horas e meia, mas tão envolvente que nem sentimos este tempo passar. Quero aqui destacar duas delas:

  • O Cristo-Negro, de Antonio Pitanga, rodeado de operários e ao lado de um engradado de refrigerantes Coca-Cola (um símbolo capitalista), em uma cena em que, fazendo uma referência à passagem bíblica, brada que irá matar a sede de todos aqueles que têm sede, e começa abrir as garrafas do dito refrigerante e distribuí-las ao povo.
  • O Cristo Conquistador Português, de Tarcísio Meira, em plena bahia de Guanabara, mostrando um mar repleto de lixo e sujeira, brada repetidas vezes: "Isso é a cloaca do Universo! "

[Amanhecer de sábado, 06:00 da manhã. Final da reunião.]

Fontes: Livro Glauber Rocha-esse vulcão, de João Carlos Teixeira Gomes.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Gênesis




"É inaceitável a mercantilização imposta à cultura no País, na qual predomina uma política de eventos. É fundamental a existência de um processo continuado de trabalho e pesquisa artística. Nosso compromisso ético é com a função social da arte. A produção, circulação e fruição dos bens culturais é um direito constitucional, que não tem sido respeitado. Uma visão mercadológica transforma a obra de arte em "produto cultural". E cria uma série de ilusões que mascaram a produção cultural no Brasil de hoje. " (Manifesto Arte Contra a Bárbarie)

Eles eram sete.
Sete, número este quase cármico. Sete, como os sete pecados capitais, ou as sete notas musicais... Sete.
Juntaram-se e tornaram-se a Cia Engrenagem de Arte Revolucionária.
Mas, revolucionária por que?
REVOLUCIONÁRIO, segundo o dicionário: referente à revolução, aquele que provoca revoluções, grande renovador, inovador.
Assim, a idéia da companhia, formada em sua maioria por atores, mas contando também com músicos, dramaturgos, artistas plásticos, é a de TRANSFORMAÇÃO.
Transformar a arte, transformar pela arte e para a arte. Não apenas transformar, mas também promover a reflexão, o questionamento, a investigação artística de novas linguagens e formas de expressão. Fazer com que todos tenham acesso à cultura e as suas mais variadas expressões, e de forma que possam vê-la não apenas como entretenimento, mas principalmente como instrumento de reflexão e transformação. Assim, o objetivo é que todo aquele que presenciar qualquer manifestação artística da Cia Engrenagem de Arte Revolucionária, seja "contaminado" e movido pelo espírito também da transformação!
Primeiro bate-papo, primeira união do que viria a ser a Gênesis do movimento: dia 27/09/08., curiosamente num bar chamado Antigamente.
A partir deste, a primeira reunião e a gênesis de fato da Cia: dia 04/10/08. Várias discussões e reflexões sobre a arte e a sociedade, projetos e leituras de textos "A casa dos 30" e "Tudo Aquilo que eu esperava", do Rodrigo Abrahão e "Nós vivemos numa anarquia de elite", do André Faxas.
A Cia Engrenagem de Arte Revolucionária é formada por: Carlos Aleixo, Cristina Froment, Daniel Carrarini, Jonas de Sá, Matheus Toledo, Rodrigo Abrahão e Rodrigo Gondim.
Algumas influências: o dramaturgo Bertold Brecht, o cineasta Glauber Rocha, o autor Eduardo Galeano, o poeta Mayakovsky, a Cia Latão de Teatro, o Movimento Tropicalista, Helio Oiticica e Henri Matisse, artitas plásticos.